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Quinta-feira, 26/1/2012
Senhores turistas, apressem-se!
Carla Ceres

Em geral, quando falamos sobre turismo ligado à arqueologia, temos poucos motivos para pensar em pressa. Ruínas podem nos esperar e múmias são famosas exatamente por resistir ao tempo. Nenhuma agência anuncia "Visite as pirâmides do Egito antes que se acabem". Parques arqueológicos não costumam apresentar novas atrações ou deixar de existir depois de alguns meses.

Esse quadro muda quando pensamos no patrimônio arqueológico de países como o Peru, onde ainda há muitos sítios importantes a estudar e locais que aguardam escavação. De um ano para outro, podem surgir novidades. Não estou falando apenas de alguns fragmentos de cerâmica, importantes e reveladores somente do ponto de vista dos cientistas. Refiro-me à possível descoberta de templos ou até de cidades, como Machu Picchu, que comemorou, em 2011, um século de descobrimento científico.

Quando foi descoberta pela ciência, Machu Picchu, a Cidade Perdida dos Incas, não estava tão perdida assim. Os camponeses dos arredores sabiam de sua existência e localização. Mas quem conhecia mesmo as ruínas eram as duas famílias de pastores que moravam no local.

Machu Picchu movimenta o turismo, atraindo legiões de arqueólogos amadores e viajantes místicos. A cada terremoto que atinge o Peru, revistas de viagem aventam a hipótese de que a cidadela esteja em risco. Nada mais infundado. As construções incas, por suas paredes inclinadas e outras técnicas de edificação, resistem a abalos sísmicos. Nem mesmo os inúmeros visitantes representam ameaça. Por enquanto, o único perigo real identificado é a presença de um líquen, que corrói as pedras. Esse inimigo age lentamente, dando aos pesquisadores tempo para estudar uma forma de combatê-lo.

Se, a médio prazo, Machu Picchu se encontra a salvo, o mesmo não acontece com as famosas Linhas de Nasca e com suas semelhantes menos ilustres e mais antigas, as Linhas de Palpa.

Somente no final da década de 1930, o pesquisador americano Paul Kosok apresentou à comunidade científica as linhas de Nasca, enormes e misteriosos desenhos feitos no solo árido do Departamento de Ica. Já conhecidos anteriormente por pilotos de avião, os geoglifos atraem turistas do mundo todo à cidade de Nasca, para sobrevoar as figuras ou visitá-las a pé.

A pesquisadora alemã Maria Reiche, que começou como assistente de Paul Kosok, foi a principal especialista a estudar as linhas, tendo lutado até o fim da vida, por sua preservação. A Dra. Reiche classificou os geoglifos em imagens representativas (de animais, plantas, humanos...) e desenhos geométricos (linhas retas, espirais, triângulos, trapézios, ziguezagues...). Atribuiu sua autoria à civilização Nasca, uma cultura pré-inca, habitante do local entre 100 a.C. e 750 d.C..

A cultura Nasca foi herdeira da cultura Paracas, que ocupou a mesma região entre 500 a.C. e 100 d.C. e criou as linhas de Palpa. Ao contrário das linhas de Nasca, os geoglifos de Palpa localizam-se nas laterais de colinas, sendo, portanto, de fácil visualização para pessoas em terra.

Segundo Maria Reiche, as linhas de Nasca formariam um gigantesco calendário astronômico. Figuras como o colibri de 96 metros, o condor e a baleia serviriam para marcar os movimentos dos astros e auxiliar a agricultura. A ciência atual não confirma essa hipótese.

Ídolo dos turistas místicos e/ou fãs da ficção científica, o escritor Erich von Däniken, autor de Eram os deuses astronautas? , sugere que as linhas seriam um enorme campo de pouso para discos-voadores e que alienígenas teriam orientado, do alto, sua construção. Certo, existe um geoglifo chamado "o astronauta", bem como largas e longuíssimas linhas retas em Nasca. Mas o mesmo geoglifo também é conhecido como "o xamã", ou "o homem com cabeça de coruja". As numerosas linhas retas cruzam-se e atravessam outras figuras. Se os OVNIs sem freio as seguissem, colidiriam.

A teoria de von Däniken demonstra desprezo pela inteligência humana. Com técnicas simples, os Nascas poderiam ampliar um desenho o quanto quisessem. Ninguém precisa de alta tecnologia para fazer um geoglifo ali e mantê-lo por séculos. Basta empilhar umas pedrinhas para desenhar em alto relevo. Para um baixo relevo, é só esfregar o pé no chão até sair a primeira camada de solo escuro. O substrato mais claro aparece rápido. As linhas de Nasca são apenas isso: pedrinhas empilhadas ou solo "arranhado" formando desenhos de finalidade misteriosa, que se mantêm graças à falta de chuva naquela região desértica.

A mera passagem de um carro marca o solo de Nasca. Imagine então o que aconteceria se 450 famílias fizessem assentamentos ilegais nessa área arqueológica. Lamento informar que isso aconteceu no fim de 2011. Um trapézio e várias linhas já foram irremediavelmente destruídos. Senhores turistas, apressem-se!

Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/

Carla Ceres
Piracicaba, 26/1/2012

 

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