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Sexta-feira, 10/2/2012
Quero estudar, mas não gosto de ler. #comofaz?
Ana Elisa Ribeiro

Minha questão não tem fundo, não tem resposta. É absoluta. Quem são esses loucos? São esses que querem aprender por osmose. Quem sabe? Acho até que dá. Não é preciso pedir grandes financiamentos e ler pesquisas famosas para saber que há várias maneiras de aprender. Desde criança qualquer energúmeno sabe que a gente aprende ouvindo, vendo, observando alguém fazer algo. A gente aprende até sem querer. Aprende o que não pode, o que não deve, até o que não sabe que aprendeu. A gente aprende num piscar de olhos, às vezes. Às vezes, no entanto, demora. Depende de astúcia, de paciência, de inteligência (a tal) ou de esforço. Aprender leva tempo. Ou não. Depende do que se quer saber. Aprender é o default. Aprender, cada qual no seu ritmo, embora tenhamos, nós aqui, ó, inventado instituições para cadenciar esse aprendizado, dividir em prateleiras, classificar, complicar e descomplicar, dar um ritmo só a todo mundo (mesmo aos mais diferentes), definir as pausas e os recomeços, agenciar espaços, tempos, afiliações, melhor e pior. Inventamos jeitos de abrir matrícula, trancar, desistir, fechar, limitar ou liberar. Demos até nomes diversos ao conhecimento. Uns têm mais valor, outros, menos. E assim vamos, mas aprendendo.

Só que eu estava querendo me fixar numa coisa, nesta coisa: um dos jeitos de aprender é ler. Isso faz tempo que é assim. Não fui eu que inventei (infelizmente). Não depende de campanha. Nem precisa. Não adianta dizer que está morrendo e vai morrer só porque chegou isto e aquilo no cenário. Não depende de ser caro ou ser barato, se é em inglês ou em língua morta. Ler é um jeito de saber das coisas, muitas delas, quase todas. E ler, mesmo esse verbo pequetito, quer dizer tanta coisa. O Ricardo Azevedo tem um poema (pra criança, será?) chamado "Aula de leitura" (é, seus espertinhos, googuem aí, vale a pena), em que ele canta a pedra. Ler é um bando de coisas. E quem sabe ler, "vai ler nas folhas do chão/se é outono ou se é verão", entre outras infinitas possibilidades.

Nos dias de hoje (sim, este início de parágrafo que acomete 9 entre 10 redações de vestibular e concursos), ler é o troço mais fácil e banal que há (eu ia dizer "que tem", mas aí me policiei). Não me digam que não sabem por quê? Nem vou pedir financiamento para essa pesquisa. Ler é a coisa que mais se faz desde sempre. Se bobear, já na barriga da mãe o fetinho passa os dedinhos nas entrelinhas. Vou deixar de lado este conceito amplo demais e falar só daquele mais top of mind: o de ler textos verbais, escritos com letras (principalmente elas, que são mais espalhadas na nossa cultura do lado de cá). Então: ler textos (verbais, de novo) está em qualquer lugar. E como nunca antes. Banal, sim, porque está nos jornais e nos livros, claro, ainda está lá. Mas está na TV, nos outdoors, nas placas, nos computadores, nos celulares, nos tablets (pra quem já os tem). Ler é o que mais se pode fazer.

Mas o que me encanta? É quando me vem um estudante, seja lá de que nível for, pra dizer que não quer ler. Tipo um cara ir fazer engenharia e chorar as pitangas porque não gosta de matemática. Tipo um macaco que odeia banana. Sei lá. Quero ser guitarrista, mas odeio música. Pensem aí numa coisa assim, meio insólita. Quero ser estudante, mas sem ler. Aí a gente que estuda estas bugigangas digitais todas (eu incluída, ok?) dá aquela adiantada na vida do cidadão: pode-se ensinar com áudio, vídeo e mímica. Vamos todos aprender ouvindo alguém ler um livro ou assistindo a uma aula roteirizada aí. Claro que vai funcionar. Claro! Funciona sim. Não nego não. Como poderia? Ainda bem que a gente aprende é com o corpo inteiro. Ainda bem que a gente mantém todos os sentidos e canais em riste enquanto experimenta o mundo. Ainda bem que os olhos não travam enquanto o ouvindo ouve. Então é lógico que assistir às aulas ou aos vídeos (que nem tinham a intenção de ser aulas) vai funcionar. Só que a gente vai precisar ler, em algum momento, porque é um jeito importante para achar mais canais, mais veias abertas, mais um jeito de acessar, mais um modo de operar.

Pessoal confunde fim do livro, fim do jornal, fim da revista, fim do impresso com o que não deve. O ato de ler nunca esteve tão forte, tão evidente, tão diversificado, quanto está agorinha mesmo, bem debaixo dos nossos narizes. De um jeito parecido, nunca esteve tão robusta a escrita e tão viçosa a cultura escrita, que envolve todas essas coisas. E ela também envolve os equipamentos bacanas de última geração, que chacoalham e misturam nossos modos de ler/ver/ouvir e apresentam num treco só, bem na nossa cara.

Quando a gente fala de estudar, em geral, a gente está falando de alguma coisa mais específica. Algo do tipo dedicar-se a um tema, fazer isso na escola (ou porque a escola mandou), preparar-se para um certame qualquer, parar para prestar atenção, etc. Sei lá o que mais pensar. Pensem então, leitores. E aí estudar merece a menção ao ler. Não merece? Não tem jeito de estudar sem ler. Nem que seja um manualzinho do tipo "ponha sempre vírgula depois do aposto". É complicado pular certos modos de fazer as coisas... quando se deseja, de fato, fazer as coisas. Vai tecendo as possibilidades, andando pelos labirintos de formas de aprender e pronto. Até matemática eu aprendia lendo. Nem sempre era suficiente... em geral, não era, mas eu aprendia sim.

Ler, eu já disse antes, em algum lugar mais inóspito do que um site de cultura, é alta tecnologia. Eu morro de inveja dos caras que inventaram um jeito de marcar e outro de sacar o que estava ali. Eu morro de inveja dos caras que fundaram essa maravilha. Quando eu for à Alemanha, vou ficar feliz demais por pisar em solo tão tipográfico. Mecânica e escrita, amizade colorida. Eu tenho até tesão pelos moços (bem, devem ser todos homens... ao que se sabe... e para variar...) que tilintavam tipos de metal dia afora, compondo páginas que ainda iam secar. Os caras das oficinas, cheirando a tinta e a literatura.

Não gosta não, é? Quer só sentar diante de uma tela qualquer e assistir? Ou quer só ouvir as coisas no seu iPod? Boa sorte. Pode também. Vai dar certo, pode saber. Porque você aprende de ouvido desde criancinha. Mas, ó, experimenta isto aqui. Pega firme aí um dispositivo para ler (pode ser até um livro) e depois me conta.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 10/2/2012

 

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