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Quarta-feira, 19/6/2013
As manifestações sobre o transporte público em SP
André Simões

Sempre desconfio deste tipo de solenidade e deferência, mas realmente acho que a repórter Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, merece alguma forma de prêmio. A agressão que sofreu - levando no olho um tiro de borracha enquanto cobria a manifestação contra o aumento das tarifas de transporte em São Paulo - por seu caráter brutal e sua gratuidade, força-nos a analisar este levante popular para além das convicções pré-estabelecidas e das bem definidas simpatias ou antipatias em relação a determinados grupos políticos.

Analisando a questão sob um ponto de vista puramente econômico, tendo a concordar com meus amigos assim ditos conservadores/liberais: o maior erro do prefeito Fernando Haddad e do governador Geraldo Alckmin foi não ter imposto um reajuste maior para as tarifas de ônibus e metrô, respectivamente. Um aumento desses, de R$ 3 para R$ 3,20, depois de dois anos sem mudança de preços, abaixo da taxa de inflação, tem forte cheiro demagógico. Se a receita da área está menor, verbas terão de ser deslocadas de outro setor, ou o transporte público terá menos investimentos - qualquer uma das opções é maléfica, simples assim. Ademais, as tarifas paulistanas não estão em descompasso com a de outras grandes metrópoles.

Mas se optarmos por buscar a justeza por meio da matemática e da estatística, devemos levar outros fatos em consideração. Historicamente, manifestações populares com obstrução de serviços contribuem para a consecução dos objetivos de uma classe; categorias com sindicatos bem organizados se valem e se valeram de greves para obter reajustes salariais acima da média. Os incomodados podem chiar, ficar emburrados, praguejar, mas o negócio funciona.

E tende a funcionar justamente porque incomoda. Manifestação ordeira e uniformizada sob o vão do Masp só rende reportagens sarcásticas. Neste ponto, discordando dos meus amigos liberais/conservadores, não acho que o mercado regule o andar da carruagem. Se uma manifestação traz reivindicações descabidas ou com metas lunáticas, a pressão popular para que cesse a obstrução de serviços faz o movimento esvaziar-se naturalmente; caso os pontos sejam justos, os protestos ganham adesões para além do grupo que os organizou. Parece ser este o caso em São Paulo.

Se a revolta contra a tarifa de R$ 3,20 é descabida, o descalabro do transporte público em São Paulo é bem real, e o governo parece dar força ao descrédito da população quanto a melhoras rápidas. São muitíssimos exemplos possíveis, mas vamos falar do metrô: se se promete a abertura de uma estação para a data x, para a vermos em pleno funcionamento podemos esperar uns dez anos depois do prazo inicial, com o saldo de algumas mortezinhas residuais pelo caminho.

Engrossando as fileiras do movimento, há pessoas detestáveis, que reclamam por vinte centavos, mas têm dinheiro de sobra para comprar maconha? Provavelmente, muitas. Há imbecis que não conseguem juntar sujeito e predicado, aproveitando a oportunidade para extravasar seus recalques na depredação de patrimônio público? Mais do que alguns.

Mas não podemos desconsiderar o geral por causa de alguns elementos particulares. Seria como ridicularizar a arte musical usando como único exemplo as canções do Jota Quest, minimizar as benesses da engenharia ilustrando os argumentos apenas com o Minhocão. Ou, como cabe muito bem dizer, demonizar a instituição policial por causa do animal que atirou na Giuliana Vallone - ou ainda por causa de uma ditadura que acabou há 28 anos, tendo durado 21.

Considerar que os participantes destas manifestações são todos massa de manobra do PSTU e companhia é ser tão míope quanto aqueles que acham serem vinte centavos a raiz do problema. Se o tresloucado PSTU tivesse o poder de manobrar tanta gente, ao menos teria representação na Câmara, não é mesmo?

A alienação dos governantes neste caso também é tragicômica. Um roteirista precisaria ser muito bom para pensar em algo mais simbólico: enquanto a cidade pega fogo, vamos de mãos dadas aproveitar as delícias da primavera parisiense.

Ironicamente, o maior risco à eficácia deste movimento é sua reivindicação primeira ser atendida: baixam-se vinte centavos das tarifas de metrô e ônibus, as pessoas se acalmam, o assunto é esquecido - ficamos com um problema, mais do que com uma solução.

Mas podemos também pensar na melhor das hipóteses para o saldo deste caso: um estopim para a tomada de consciência, por parte da população, de seu poder de barganha quando há união em torno de uma causa. Não precisamos de vinte centavos a menos nas tarifas: é necessário que os governantes, dando-se conta do tamanho da encrenca, venham publicamente expor um plano de melhoras para o transporte público, sem evasivas, com metas e prazos bem delimitados. E a cada meta e prazo descumpridos, a população deve tomar novamente as ruas.

Nota do Editor:

Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no Livros e Afins.

André Simões
São Paulo, 19/6/2013

 

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