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Segunda-feira, 25/6/2012
Freud segundo Zweig
Ricardo de Mattos


Fonte: Purobjectiva.blogspot

"Então será preciso adotar o ponto de vista de que é uma pretensão insustentável exigir que tudo o que sucede na psique teria de se tornar conhecido também para a consciência" (Sigmund Freud).

Stefan Zweig foi biógrafo, poeta, dramaturgo, ensaísta e romancista nascido em Viena, a 28 de novembro de 1881. Era escritor popular do seu tempo, com ampla cultura verificável em suas obras. Residiu em Viena, Salzburg, Londres, Nova Iorque. Viveu em época intelectualmente rica, como atesta seu livro Encontro Com Homens, Livros e Países, onde relata suas viagens pelo mundo, seu encontro com personalidades — o poeta Rilke, o escultor Auguste Rodin, o maestro Toscanini, o médico Schwestzer, entre outros. Fugindo das perseguições nazistas, refugiou-se primeiro em Londres, depois em Nova Iorque e veio ter, por fim, no Brasil. Desiludido e considerando-se fraco para recomeçar uma nova vida, suicidou-se com a esposa em Petrópolis, no dia 22 de fevereiro de 1942.

Freud e Zweig compartilharam 58 anos de contemporaneidade, e este revela-se um entusiasta daquele. Uma de suas obras, A Cura Pelo Espírito é composta por três ensaios biográficos relativamente independentes, mas percebemos que Zweig tenta estabelecer uma linha de evolução terapêutica que parte de Franz Anton Mesmer, passa por Mary Baker-Eddy e finaliza — triunfantemente, é o que se depreende da leitura — em Freud. Portanto, embora trate a respeito de duas outras personalidades, percebe-se que A Cura Pelo Espírito é, na verdade, uma apologia a Freud — que á época contava 75 anos - e sua obra. O prefácio do autor à obra data de 1930 e lemos uma tradução de 1956.

Até Wilhelm Wundt inaugurar a Psicologia como Ciência em seu laboratório de Leipzig, no ano de 1879, a psicologia era praticamente uma vertente da Filosofia, dedicada ao estudo dos tipos humanos. Como não havia o ramo da Ciência, ser "psicólogo" era um atributo de escritores, artistas, religiosos e demais pensadores dedicados ao estudo e observação da alma humana. Exemplos, podemos encontrá-los em livros como Pensamentos Filosóficos, de Goethe, ou os Caracteres, de La Bruyère. Os russos Fiodor Dostoievsky, Lev Tolstoi e Anton Checkov, pela profundidade de seus escritos e pelo detalhe dos retratos que legaram à humanidade, são considerados autores de "obras psicológicas. Em área diversa, verificamos que na edição de janeiro de 1858 da Revista Espírita, Allan Kardec, ao classificar as diversas formas de manifestações espíritas, recusou-se chamar "psicologia" à palavra transmitida pelo médium, afirmando que "a palavra psicologia já tem uma acepção conhecida e não a podemos distorcer". Nietzsche, por sua vez, afirmou em Crepúsculo dos Ídolos: "A ociosidade é a mãe de toda psicologia. Como? Seria a psicologia um — vício?".

Um dia de do mês de dezembro de 1979, enfim, seria a data oficial de nascimento da Psicologia como Ciência. Através de máquinas e experimentos, Wilhelm Wundt e seus alunos buscavam medir os "átomos da mente", a identificação dos mais simples e rápidos processos mentais. A partir destas pesquisas laboratoriais, a Psicologia organizou-se cientificamente e desdobrou em diversas vertentes e escolas: estruturalismo, funcionalismo, behaviorismo, Gestalt, psicanálise, análise existencial, logoterapia... Os psicólogos passaram a estudar tanto os processos comportamentais quanto os processos do próprio pensamento.

Voltando a Zweig e à seção de seu livro dedicada a Freud, podemos conhecer um pouco a respeito da virada de século vivida por ele e seu biografado. Zweig traça críticas ao panorama moral então vigente no Ocidente europeu, bem como à moralidade vigente e à dureza de certos Estados no tratamento aos seus súditos na contenção, dos instintos primitivos do homem. Tendo o pensamento do século XIX privilegiado a Ciência como fonte única de orientação para o homem no mundo, como seria exigível ainda das pessoas a obediência a uma moral codificada? Se antes a moral era "a forma física de uma ideia metafísica", rejeitada a metafísica, que código seria o seguido pelas pessoas, principalmente no que dizia respeito à sexualidade? O escritor vienense observa que muitos assuntos ficaram como que em suspenso, e percebia na sociedade uma atitude dissimulada, como esperando que, ao não tratar de um assunto, ele deixasse de existir. Por um lado, havia certa "embriaguez da razão"; por outro, um silêncio paroquial a respeito de aspectos inerentes e importantes do homem. Se as coisas realmente eram como Zweig descreveu, realmente a leitura d'Os Instintos e Seus Destinos, publicado em 1915 por Freud deve ter sido muito mais impactante do que atualmente, mormente em trechos como

"Para uma caracterização geral dos instintos sexuais podemos dizer o seguinte: eles são numerosos, originam-se de múltiplas fontes orgânicas, atuam de início independentemente uns dos outros, e apenas bem depois são reunidos numa síntese mais ou menos completa. A meta que cada um deles procura atingir é o prazer do órgão...".

O teor geral dos comentários de Zweig a este respeito faz parecer que o grande anelo era de que a sexualidade e as questões envolvidas fossem superadas pelo progresso tecno-científico humano, de maneira a não mais causar constrangimento às pessoas. O prejuízo seria da recém nascida Psicologia, pois como ela desenvolver-se-ia sem abordar o que diz profundamente respeito ao homem, quando era preferível silenciar a enfrentar? A questão sexual devia manter-se encoberta, mesmo que percebida pelo médico como origem de algum transtorno. Desta forma, o doente não era esclarecido e ainda perigava receber um tratamento indevido, caso não fosse entregue à Justiça. Hoje debate-se a respeito dos direitos dos homossexuais. Décadas atrás, discutia-se se homossexualismo deveria ser considerado ou não uma doença. Antes disso, no Ocidente, o homossexualismo era um crime passível de condenação e pena, conforme testemunha o escritor inglês Oscar Wilde.


Sigmund Freud

Surge Sigmund Freud (1856 — 1939) falando francamente sobre histeria, instintos, recalcamento, perturbações relacionadas e possível libertação. De início, parece ter-lhe sido recomendado renunciar a este tipo embaraçoso de pesquisa. Os instintos humanos devem ser reprimidos pela razão. Só pode disciplinar aquilo que se conhece, retrucou o autor dos estudos que desembocariam na Psicanálise.

Segundo Zweig, a vida privada de Freud caracterizava-se como discreta e com uma rotina cuja investigação não traria grandes revelações. No que diz respeito ao ofício e à pesquisa, contudo, o escritor assevera que "esse inexorável calendário de trabalho não tem folhas brancas". Sua saúde seria admirável por permitir a dedicação diária a muitas horas de análise e ainda desenvolver depois seu trabalho teórico. Em sua aparência, Zweig identificava "um homem diante do qual teríamos medo de mentir". Desta meticulosidade, desta ausência de improviso e de pouca intuição, decorreria um posicionamento posterior firme, a defesa firme do ponto de vista alcançado. Tenacidade, coragem, franqueza, discrição e sobriedade são adjetivos com os quais Zweig condecora-o.

A princípio, Freud não percebia em si alguma inclinação para a Medicina. Possuía sede de saber e disposição para realização de pesquisas ainda como estudante, interessando-se mais por elas que pelo curso. Seu diploma de doutor em Medicina foi obtido em 1881, aos vinte e cinco anos. Torna-se adjunto de neurologia na escola de Medicina local. Adere ao tratamento de então, segundo o qual toda anomalia da alma era decorrente de um desvio dos nervos, tratamento aprendido num centro universitário onde o laboratório de psicologia era vizinho do de fisiologia. O que havia para ensinar, o jovem Freud aprendeu. Insatisfeito, contudo, descobriu as aulas de Charcot em Paris, que ensinava a respeito de tratamentos psiquiátricos auxiliados pela hipnose. Obtendo licença e bolsa junto à universidade local, parte em 1886 para a capital da França. Charcot, ao contrário dos colegas vienenses, não tem a histeria como uma simulação desprezível, mas detém-se a estudá-la em sua "plasticidade". Perante a psiquiatria parisiense, a histeria não tem apenas causas físicas, mas psíquicas e até metapsíquicas. Observemos que tanto Freud quanto Zweig falam em alma e espírito. A investigação da exata acepção destes termos em suas obras precisará ficar para outra ocasião.

De volta a Viena, Freud testemunha a rejeição de seus compatriotas à hipnose e às teorias francesas. Não é levado a sério quando menciona a possibilidade de uma "histeria masculina", e até as portas universitárias ameaçam fecharem-lhe. Zweig revela que Freud nunca chegou a ser titular de uma cátedra, e manteve sua condição de professor extraordinário mesmo depois da fama e do reconhecimento. Talvez na raiz deste problema inclua-se o anti-semitismo vigente, do qual o escritor também sofreu efeitos.

Durante certo lapso temporal, Freud encontrou no médico Joseph Breuer o colaborador para suas pesquisas. Mesmo antes de Freud visitar Paris, Breuer já havia conversado com ele a respeito de uma paciente com sintomas de histeria: paralisia, contrações, inibições, turvação da consciência. Esta paciente, Breuer notou-o, apresenta ligeiras melhoras sempre que pode falar de si. Ainda assim, o colaborador de Freud "percebeu que essa pessoa sabia sobre si mesma algo que não queria saber e que, por conseguinte reprimia". Hipnotizando-a, Breuer fê-la falar inclusive o que era omitido no discurso consciente, de forma que os sintomas histéricos abandonaram-na um a um. Em seguida, contudo, chegaram Breuer e Freud a um ponto do caminho em que o primeiro parou e o segundo continuou sozinho. Joseph Breuer é protagonista do famoso romance Quando Nietzsche Chorou, do norte-americano Irvin Yalom.

Antes de Freud, não era estranha à Psicologia a possibilidade de existir por trás da consciência uma força ou potência desconhecida. Contudo, as pesquisas laboratoriais dedicavam-se, como visto, àquilo que consideravam consciente. Lembremos de Wundt procurando pelos "átomos" da mente. A partir de Freud, ganhou corpo o entendimento de que todos os atos psíquicos têm sua origem no inconsciente. Aqueles que chegam ao inconsciente não o fazem por serem de natureza diversa ou superior aos demais, mas porque foram trazidos à consciência por uma ação exterior. O escritor recorre à comparação com uma mesa: ela já existia antes da luz incidir e torná-la perceptível, não foi a luz que a originou. Desta forma, inconsciente não terá mais o significado de incognoscível, do que não pode ser conhecido. Pelo contrário.

Antes de Freud, afirmava-se que o inconsciente era algo passivo, inerte, sem influência atual. Longe de ser um resíduo, Freud afirma-o como a própria matéria prima de pensamentos e sentimentos. O volume do iceberg não se encontra na superfície, mas naquilo que o mar oculta, e seria um erro acreditar que toda decisão seria tomada com base apenas naquilo que é consciente.

"O direito de supor uma psique inconsciente e de trabalhar cientificamente com essa hipótese nos é contestado de muitos lados. A isso podemos replicar que a suposição do inconsciente é necessária e legítima, e que possuímos várias provas da existência do inconsciente".

Na estrutura freudiana da mente humana, o ego, o superego e o id são mais inconscientes do que conscientes. Recorrendo à comparação com um iceberg, expostos acima da linha d'água estariam partes do ego e do superego. Submersos, estariam todo o id — energia psíquica inconsciente - e parcelas significativas do ego e do superego. Necessário dizer que os freudianos contemporâneos ampliaram o repertório e falam no "ego ideal", no "ideal do ego", no "ego corpóreo" e outras categorias.

Sendo o inconsciente algo inerente a todo homem, cabe à Psicanálise descobri-lo. Se a Psicologia é atualmente definida como "a ciência do comportamento humano e dos processos mentais", a Psicanálise é um de seus métodos. Pessoal e atualmente, esta distinção é suficiente. O estudo científico do inconsciente começa com Freud. Décadas depois, Carl Gustav Jung elaborou o conceito de inconsciente coletivo. Em paralelo a este, Viktor Emil Frankl tratou do inconsciente espiritual.


Stefan Zweig

Segundo Zweig, a história conheceu três formas de obter a revelação de um segredo: à força, pela combinação de dados e pela espreita. Afirma-o para fazer uma comparação com os recursos da Psicanálise. A "força" estaria presente na revelação do conteúdo inconsciente mediante a utilização da hipnose. A combinação de dados seria comparável à observação dos atos falhos, fenômenos aparentemente simples, antes explicados como acaso e cansaço, mas que para Freud teriam origem inconsciente. "Quase sempre o ato falhado é uma confissão e uma autotraição". À espreita, enfim, seria comparável a interpretação dos sonhos.

Até Freud os sonhos eram considerados caprichos do cérebro, mentiras a que cada pessoa estaria sujeita ao adormecer. Portanto, não seriam objeto de análise séria, salvo no campo do misticismo, quando então poderia falar-se em artimanhas de seres invisíveis. Onde os outros viam absurdo e inutilidade, enfim, Freud percebeu a principal ponte entre a vida consciente e a inconsciente, entre os sentimentos ocultos e os raciocínios expostos. Desvendando o passado psicológico do homem, a interpretação dos sonhos permitiria conhecer o que ainda faz parte da intimidade atual do indivíduo. "Em baixo (sic), no inconsciente, somos nossa totalidade".

Segundo um ditado chinês citado por Zweig, o que se acumula no fundo do coração é espirrado no sonho. Aquilo que durante o dia não pôde ser expresso, não pôde tornar-se ação ou palavra, ou mesmo pensamento, adquire forma fantasiosa no período do descanso noturno. O sonho revela as intenções e recalques. São Vestígios do Dia, de acordo com a terminologia freudiana utilizada como título para excelente filme. A análise freudiana dos sonhos não seria vaga nem aleatória, mas um processo de pesquisa com exatidão e critério.

Como dito acima, a tradução d'A cura pelo espírito data de 1956 e é anônima. O tradutor, em vez de utilizar o termo supergo, preferiu "super-eu": "... por sua 'censura' interior, consciência — o 'super-eu' como o denomina Freud". A preferência pelo emprego de "isto", "eu" e "super-eu" nas traduções modernas não passou sem polêmica. O leitor brasileiro pode contar com duas traduções completas da obra de Freud. A mais antiga, de capa marrom, que deve ter acompanhado a formação de quase todos os estudiosos, e a mais recente, com volumes de capas coloridas. Houve quem dissesse que esta pode ser lida "como um romance". Suspenso o juízo a respeito do gosto literário de quem afirmou tal coisa, temos no outros extremo nosso freudiano editor dizendo que a mais nova é ilegível. Tendo lido o mesmo texto das duas traduções, também votamos na segunda.

Considerada a Psicanálise como uma técnica científica ativa, esta não poderia satisfazer-se com apenas com confissões fortuitas e atos falhos. Deveras, Freud elaborou um método inédito diante das técnicas da Medicina e da Psicologia de então. A função do novo método não seria intervir moral ou psiquicamente, nem introduzir novas coisas na mente do paciente. Visaria, sim, à cura no sentido psicanalítico, possibilitada pelo conhecimento ativo de si. Segundo Freud, o paciente não sabe nem quer saber do que o perturba realmente, e os sintomas antes de revelarem a doença, mascaram-na. Os sintomas envolveriam os fatos, atravancando o processo de cura, e este processo não começou na primeira consulta ao médico ou ao psicólogo. Portanto, não se pode querer da Psicanálise um processo rápido, quando seu objetivo é levar gradualmente, passo a passo, o doente para o ponto de início, para aquele momento em que a neurose eclodiu.

Encontramos em Zweig a oportunidade de conhecer a prática psicanalítica tal como ela se dava nos anos em que Freud ainda estava neste mundo. Poderia durar "meses, e às vezes anos". "O doente (sic) fica num divã, de jeito que não veja o médico sentado atrás dele (isto para eliminar os entraves do pudor e da consciência), e fala". O paciente deve renunciar a qualquer reflexão consciente sobre o que fala, não defendendo, nem acusando, nem julgando: deve revelar tudo o que lhe vem à mente, seja na ordem que for, da maneira que for. O objetivo é revelar-lhe justamente o que não sabe sobre sua "doença", sobre seu "desequilíbrio". "Se o soubesse, seria psiquicamente normal, não criaria para si mesmo sintomas e não teria necessidade de médico". Todos os escombros psíquicos acumulados durante tempo a princípio indeterminado, toda a afetividade não empregada: enfim, o paciente viverá terapeuticamente tudo o que não foi vivido. E para que este processo dê o resultado esperado, é necessário o estabelecimento da transferência. "O doente e o doutor devem viver em comum", o médico deve testemunhar o desenvolvimento do conflito diante de si, "em tempo real", para utilizar uma expressão contemporânea.

A Psicanálise é descrita como uma luta: o paciente parece ter apego à doença; quer ser sincero, mas acaba mentindo; lida-se com resistências e defesas; o que poderia ser objetivamente exposto por quem não vivencia o problema é retardado pelo paciente. O terapeuta deve prestar atenção aos sinais do inconsciente querendo fluir e aproveitar a chance. Deve munir-se de paciência e atenção, manter sobre o paciente uma vigilância discreta e não o confrontar abruptamente em suas repetições e contradições, nem impor sua interpretação, como já dito. Em cada caso, encontrar um sistema independente.

A questão sexual não foi procurada por Freud para nortear seu trabalho. O exame de doentes promoveu o encontro, e ele registrou-a. Registrou, pesquisou, aprofundou, expôs em púbico... Observou que a maior parte das neuroses estava de alguma forma vinculada a um desejo não satisfeito e arquivado no inconsciente. Na Viena do fim do século XIX, quais os desejos mais recalcados? Tudo o que se ligava ao sexo deveria ser reprimido, e aquilo que se esconde sob o tapete acaba, sendo ou tarde, fazendo tropeçar. Incomodando ou não, Freud abordava os problemas e os casos clínicos com sinceridade e clareza, nomeando o que deveria ser nomeado, mas mantendo a postura e sem vulgarizar. "Diz francamente Libido ao pensar em prazer, instinto sexual, sexualidade, em vez de Eros ou Amor", registrou Zweig. Acrescente-se que, para o pensamento daquele fim de século, ao falar Freud no sexual e na transformação de energias psíquicas, era confundido com as temíveis "funções do baixo ventre", coisa sobre o que não se devia ficar falando. Olhando ao lado, esta postura ainda não é de todo extinta nem distante.

Como a Psicanálise deveria levar o indivíduo ao ponto crítico da ruptura em sua psique, Freud percebeu que em alguns casos esta pesquisa poderia levar a idades cada vez mais recuadas do paciente. Freud já havia resgatado o uso da hipnose no meio vienense; já falava abertamente da questão sexual, mesmo que o público — mesmo o especializado — não compreendesse exatamente do que se tratava; já havia tratado dos sonhos com seriedade e método, visando compreender cientificamente o que, em principio, era material para crendice. A próxima "inconveniência" seria seguir as indicações de suas pesquisas, recuar a idade e relacionar com a infância o que havia estudado a respeito do inconsciente e do sexo. Toda criança é potencialmente bípede, mesmo enquanto engatinha. É potencialmente falante mesmo quando balbucia. Portanto, na fórmula de Zweig, "a criança conhece sua sexualidade. Apenas não a compreende". Não só exprime sua descoberta, como ainda estabelece fases psicossexuais que começam antes do primeiro aniversário.

Não obstante escancarar o que incomodava as pessoas e, portanto, era reprimido e silenciado, Freud ainda investiu vigorosamente contra a religião institucionalizada e contra o pensamento religioso, em obras como Totem e Tabu e O Futuro de uma Ilusão. São obras que, concorde-se com elas ou não, devem ser lidas mesmo pelos adeptos do pensamento religioso ou espiritualizado, pois servem como purgativos contra vetustos erros sempre passiveis de repetição ou reiteração. Numa sociedade que reprimia a questão sexual e refugiava-se nas instituições, Sigmund Freud não usufruiu de grande simpatia.

Ricardo de Mattos
Taubaté, 25/6/2012

 

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