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Quinta-feira, 10/5/2012
Crônica de um jantar em São Paulo
Elisa Andrade Buzzo


foto: Sissy Eiko

O garçom justificou: "o seu está com o dele e o dele está com você", ou seja minhas batatas fritas amolecidas estavam no prato do Ricardo, enquanto suas onion rings crocantes estavam no meu, e ele já estava de saída, incutindo ao corpo um desvio como se nada tivesse a ver com aquilo, nós que éramos os clientes que deveríamos bem nos entender com nossos pedidos simples e extravagantes, enquanto nos instalamos num breve intervalo de perplexidade diante do grande prato branco com o hambúrguer desmontado, os acompanhamentos trocados, a saladinha murcha e uma costelinha moída loquaz, quando o meu amigo ponderou, trazendo-o de volta ao problema, "eu não vou pegar no dela", e o garçom, meio trêmulo, meio irritado, entendeu que deveria então retirar o prato e, no mínimo, fazer a troca pois, o que seria o ideal, um outro prato, nem mais esperávamos. Então, não diz a máxima que "o cliente sempre tem razão"? Este é só um acontecimento entre tantos... Como está difícil comer fora em São Paulo!

E qual seria a justificativa para o cheiro de macarrão com frango que sentimos assim que entramos? Pois ali também encontravam-se pratos, tanto no almoço, tanto no jantar. Dispensável dizer que pedimos uma porção de batatas fritas assim que nos sentamos e no entanto o garçom não nos informou que nossa escolha já contemplava uma porção delas? A lógica do lucro não pressupõe a gentileza e o bom senso. Eis que o garçom traz os pratos de volta, com os acompanhamentos corretos em cada um deles. Não sem um certo pudor toquei naquela comida que pressupunha ter sido remexida.

Eu não esperava muito do meu hambúrguer com salada, apenas um sanduíche justo, comestível, mas o que veio nem foi isso, o principal, a carne, já se fora, queimada. Já o pão parecia velho, meio murcho, o topo se desintegrando em cascas. Ricardo, animadíssimo que estava após a leitura do cardápio acabou optando pelo hambúrguer com costelinha moída. Ambos imaginamos um costela gorda, dourada e cheirosa sendo cortada na cozinha com esplendor. Coitadinho, quando ele abriu o hambúrguer deu de cara com uma massaroca doce, com sabor de abacaxi.

Naquele jantar punk tudo poderia ser possível, menos algo sair "ao gosto do cliente". Tudo bem, o erro também foi um pouco nosso. O que poderia nos oferecer uma hamburgueria, novo vocábulo para lanchonete, escondida numa rua arborizada de Higienópolis? Nenhuma boa referência tradicional de bons hambúrgueres no bairro; a casa estava muito vazia, nem 50% ocupada num fim de semana à noite; um cardápio que englobava de A a Z; uma decoração ostensiva; uma iluminação em tons de cor-de-rosa nauseante (como enxergar a comida de fato?); algo parecido com uma maître não nos recebeu à entrada, apenas quando nos sentamos fez questão de trazer... a carta de vinhos e bebidas especiais com um sorriso sem graça de boas-vindas. Por que continuamos feito baratas tontas pela cidade, em busca de um lugar decente para comer (nem estou pedindo que seja barato), que ofereça algo surpreendente, caseiro, mas continuamos incorrendo nos mesmos erros, acreditando que o guia que se diz "especializado" realmente tem "jornalistas" entendidos? Tudo bem.

Atrás de mim o mundo caía, outro garçom abria uma garrafa de vinho fazendo estrondos com copos e gelos. Uma garrafa de vinho numa lanchonete? Sim, um bar inteiro repleto de bebidas, como num american bar, e macarrão com frango, hambúrguer com lascas de trufa, uma carta especial de bebidas martirizando nosso olhar já desgostoso do estabelecimento estilinho. A próxima missão foi para mim direcionada: "Você escolhe o doce. Eu não quero arriscar mais nada". E saímos com aquela sensação de estômago maltratrado, remoendo lamúrias infitinitas: São Paulo está com essa ânsia de ser tudo, de ter tudo, lucrar com tudo e acaba nos oferecendo uma comida insossa, congelada e malfeita. Quem tudo quer, nada tem: e ficamos com nada. Foi então que, na luz noturna e flácida do bairro viramos quarteirões em busca do carro, pensando na sobremesa próxima, já sem rumo, nos perdemos pelas ruas escuras, em busca do que não há, esta vida extremamente burguesa.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 10/5/2012

 

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