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Segunda-feira, 13/8/2012
Capitalista
Daniel Bushatsky

Na segunda-feira, 04 de janeiro de 1875, nasceu "A Província de São Paulo, propriedade de uma associação commanditária", com o ambicioso intuito de publicar colunas "franqueadas aos escritos de utilidade pública" e com a "independência de uma opinião séria seja qual for o matiz político dominante".

Quem não estava lá para conferir, pode ver a reprodução da capa do jornal na edição de 24 de maio de 2012, do Estado de São Paulo, quando este anunciou a pioneira iniciativa em disponibilizar 2,4 milhões de páginas digitalizadas do jornal, na rede mundial de computadores, o que possibilitará o compartilhamento de informações históricas aos seus leitores e pesquisadores.

O que poucos devem ter reparado era o tipo societário adotado pelos sócios: comandita. Este modelo societário estabelece hoje que haja responsabilidade patrimonial ilimitada dos sócios que administram a sociedade (atinge os bens da pessoa física) e responsabilidade limitada dos que não administram (não atinge os bens da pessoa física). Na prática é raro se ver algum empreendedor querer formar uma sociedade em comandita, pelo simples motivo de existirem tipos societários que limitam a responsabilidade patrimonial dos sócios ao valor do capital social subscrito e integralizado.

Em uma época que ninguém quer assumir integralmente o risco do negócio e é tão em voga falar sobre "blindagem patrimonial", realmente justifica-se a utilização dos tipos societários que limitam a responsabilidade.

Porém, Francisco Rangel Pestana, advogado, e Americo de Campos, jornalista, assumiram, ainda na época que havia rei no Brasil, serem os responsáveis solidários pelos atos praticados em nome desta sociedade: isto é que é acreditar em um negócio, em um sonho!

É verdade que na época não havia tantas opções de planejamento societário, mas, por outro lado, "encarar" assuntos delicados com seu patrimônio pessoal exige, no mínimo, coragem.

Outro ponto interessante do Contrato Social são que os sócios, em sua maioria nomes de rua ou praças em São Paulo, eram fazendeiros ou qualificam-se "capitalistas". A última expressão causa espanto nos dias atuais, quando confessar ser um capitalista é sinônimo de abusador das massas ou direitista extremo, motivo de vergonha, enquanto a palavra socialmente correta é empreendedor.

Como mostrou o próprio jornal em sua edição especial, anunciado o acervo ao público, os costumes mudaram. Não vou ser hipócrita e dizer que qualquer capitalista de verdade deveria assumir a responsabilidade ilimitada pela administração de seu negócio, até porque o próprio jornal Estado de São Paulo é hoje uma sociedade anônima (como a Folha de São Paulo também o é), o que significa responsabilidade limitada, mas acho que o espírito empreendedor e os princípios que fundaram o jornal deveriam guiar os novos negócios.

Se podemos hoje nos proteger atrás das blindagens patrimoniais, até pela insegurança jurídica trazida pelas legislações tributária e trabalhista, poderíamos pelo menos ter a obrigação de assumir moralmente nossos compromissos de peito aberto, respondendo pelos motivos reais que determinado empreendimento não deu certo.

Se operações como a abertura de capital do Facebook não foi tão frutífera quanto financistas renomados achavam, o seu negócio também pode dar errado.

Porém, na minha opinião, para virar nome de rua seria interessante ter que confessar ser um capitalista e "colocar seu nome no jornal".

Daniel Bushatsky
São Paulo, 13/8/2012

 

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