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Quinta-feira, 27/9/2012
Essa São Paulo que ri, essa São Paulo que chora
Elisa Andrade Buzzo

Tem coisa mais fina do que ser convidado para ir ao teatro ou tomar um vinho? Definitivamente, é mais elegante do que convidar alguém para "tomar um uísque" ou "sair". De modo que teatro denota algo objetivo e pressupõe mil e uma utilidades básicas da paquera séria: justifica vestir-se melhor e perfumar-se com bom-gosto; cochichar no decorrer da peça rente ao pescoço alheio; um possível jantar mais tarde, com interessantes conversas sobre a natureza humana, o amor e a traição (temas recorrentes no mundo teatral). Ou seja, é um programa que completa a si mesmo.

Tudo isso porque o teatro é acima de tudo um lugar para ir acompanhado. Eu mesma só fui uma vez sozinha porque meu acompanhante desistiu e o lugar, ótimo por sinal, ficou vazio. As pessoas tendem a querer socializar e aparecer bem-postas quando vão ver uma peça, elas já estão predispostas aos encantos da conversa — diferente do cinema, onde os solitários, tanto quanto os apaixonados, ficam todos bem resguardados pela escuridão. E não é comum um grupo de terceira idade sair de uma van para acompanhar uma peça de sucesso ou com atores estrelados? Ou mesmo amigos irem juntos ("o nosso teatro") ou famílias?

No final de 1999 fui com minha família assistir à "Honra" no teatro Cultura Artística. Eu não me dava conta direito daquilo que acontecia ao redor, na Nestor Pestana, a movimentação de gente vendendo impressos e guloseimas na entrada, as boates próximas fervilhando. Aquilo, ao menos o local, era teatro puro. De todo modo, o que mais me impressionou foi uma peça de Beethoven tocada ao vivo como introito. Lá também, já em 2007, vi Paulo Autran, meio de longe, na última peça que encenou, "O Avarento", de Molière. Mas aqui não se trata exatamente de se fazer uma lista de agrados e desagrados de vária incursão teatral.

Algumas peças, no entanto, como "Pessoas absurdas", esta, uma montagem deste ano no Teatro Jaraguá, me deixam meio cabisbaixa: é esta a vil essência do homem, então? Não há escapatória para nós? Apesar de ser classificada como comédia, para mim o texto tratou-se mais de uma tragédia, do ridículo da alma humana, seu amor que mais é desamor pelos mais próximos, a busca desenfreada por status, os valores fora de lugar. Ótimo texto de Alan Ayckbourn, de cuja obra foi adaptado o roteiro do filme "Medos privados em lugares públicos", conhecido por ter ficado por quase quatro anos em cartaz no Belas Artes.

Já em "Totatiando", espécie de musical em que a cantora Zélia Duncan canta e faz pequenas representações com texto inspirado na obra de Luiz Tatit — estreado no Tuca há duas semanas —, é um frescor na noite paulistana. Num palco ornado com grandes letras do alfabeto, cada música traz uma história sobre amor, relacionamentos, poesia, literatura, com leveza e rimas e a simpatia da cantora. Zelia ainda tece, num tom longe do declarativo e sim quase numa fala cantada, breves considerações sobre sua formação musical e biográfica.

Pois essa porção bem iluminada da vida é fantástica e se ao mesmo tempo ela dá a entender que as personagens são de carne e osso, a luminosidade e o figurino ostentam uma certa plasticidade perfeita, até mesmo em se tratando da feiura. Há algo no corpo dos atores que chama a atenção: mesmo se houver gordura, ela se revestirá de capa brilhante e musculosa. A palavra chave é "representação". Sim, o teatro não é a realidade, mas um recorte intenso de nós mesmos, pleno e tenso, quase uma caricatura do que há de melhor e pior no homem, a partir do qual ficamos divididos entre o choro e riso. É o espetáculo da vida do qual não se sai impune. E, se há uma predisposição ao amor quando se sai de uma peça é porque vida pulsando ao vivo, tão próxima em sua encenação, traz uma excitação que busca continuidade fora dos palcos, como se fosse possível encontrar uma sequência gloriosa.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 27/9/2012

 

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