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Quarta-feira, 28/11/2012
Aborto
Marilia Mota Silva

Em tempo de eleições, o tema é obrigatório: os candidatos são instados a declarar sua posição sobre o direito da mulher de controlar o que acontece com seu próprio corpo. Republicanos defendem a liberdade máxima, individual e de mercado. O Estado não tem que se meter na vida das pessoas. A menos que a pessoa seja mulher. Aí a história muda. Eles se dão o direito de decidir até sobre suas entranhas.

Eles dizem que seu motivos se baseiam no que há de melhor em nossos corações: o respeito à vida, o senso de justiça, a compaixão. Em seus discursos invocam Deus, falam em nome dEle, dizem o que Ele pensa, como se O representassem. E das alturas espirituais em que se colocam, julgam a mulher sem misericórdia e negam-lhe assistência quando ela mais precisa.

Não creio que exista alguém a favor do aborto. Nenhuma mulher engravida porque gosta de abortar. Natural ou provocado o abortamento é sempre uma mutilação, e muito triste. Ainda assim, milhares de abortos acontecem todos os dias.

"Defendemos a santidade da vida!" dizem exaltados em sua retidão os que condenam a mulher ao aborto clandestino.

Se fosse verdade, se realmente defendessem a santidade da vida, não haveria crianças dormindo nas ruas, não haveria crianças se prostituindo, expostas a todo tipo de perigo, sofrendo todo tipo de exploração e maus-tratos.

Nos EUA eles não defenderiam o acesso sem restrições às armas, mesmo as de guerra como os rifles de assalto semi-automáticos, próprios para assassinatos em série, como os que tem ocorrido com frequência aqui. Se fossem pela vida seriam a favor da energia renovável e contra a exploração predatória dos recursos do planeta.

Se fossem movidos por amor, não se inflariam com suas palavras vazias e considerações arbitrárias: onde começa a vida, a consciência, a humanidade, os direitos do embrião - o embrião tem direitos, a mulher não - invocando crenças religiosas pessoais como se fossem verdades universais.

Batalhariam, isso sim, para que todos os rapazes nas escolas, postos de saúde, centros comunitários, igrejas, clubes, no interior, nos grotões mais escondidos aprendessem sobre a paternidade responsável. Se o governo e a sociedade tem reunido esforços para promover a tranquila aceitação das diversas opções sexuais entre os jovens, não caberia também algum empenho na educação sexual voltada para a paternidade responsável? Eles lutariam para que toda mulher tivesse acesso aos anticoncepcionais e fosse igualmente educada para a maternidade responsável.

A inconsistência do discurso moralista dos que, em defesa de óvulos fertilizados e da vida humana em potencial, ignoram o sofrimento da mulher e das crianças mal-vindas, me levava a pensar que a questão, de fato, tinha mais a ver com a onipresente misoginia do que com sentimentos cristãos. Pensava assim até ver esse anúncio, em um jornalzinho de metrô.

"Mais de 3 mil futuros heróis americanos morrem todos os dias por causa do aborto."


O grotesco expresso com candura.

Afinal, eles são coerentes.Defendem a vida, seja lá como for, e se for uma vida miserável, que seja, é a vontade de Deus. Afinal, são esses mal-nascidos que vão formar o grosso dos exércitos, os infindáveis pelotões de soldados obedientes, agradecidos, dispostos a matar e a morrer, sem questionar coisa alguma. Cabe às mulheres produzi-los, e quanto mais melhor a massa de manobra.
E nós, se queremos que a pirâmide social se eternize, com um topo bem agudo, onde o ar é mais puro, a vida mais bonita, prazerosa e feliz, é necessário que haja uma a vasta base de destituídos, gente disposta a tudo por qualquer lugar no mundo, por qualquer migalha. Obedientes e prontos a servir.

Marilia Mota Silva
Rio de Janeiro, 28/11/2012

 

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