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Segunda-feira, 7/1/2013
Blindagem das palavras?
Daniel Bushatsky

A forma mais interessante de se homenagear alguém morto, certamente é lembrar de seus grandes feitos e, se possível, implementá-los na realidade.

Todos os grandes meios de comunicação prestaram suas homenagens ao repórter econômico Joelmir Beting, relembrando sua trajetória, o início no jornalismo esportivo, a transição para a economia, e sua melhor característica profissional: traduzir o economês.

Mas e sobre a parte de implementar os grandes feitos? Se não vejo os grandes meios de comunicação tentando traduzir a linguagem dos negócios a todos, lembrando que não é só a economia que precisa ser entendida, surgem algumas iniciativas para deixar o conteúdo mais próximo da população.

Destaco três que me chamaram a atenção, seja pela possibilidade de escrever compreensível, seja pela nova forma de ensinar, seja pela linha de negócio.

O primeiro é a série de livros sobre temas diversos, sempre com um mesmo sub-título "Para Leigos", tradução mais educada, dos livros da origem desta franquia de mídia, que no título em inglês traz o famigerado "For Dummies". A série, que começou em 1991, em resposta à pouca literatura sobre o "sistema informático DOS", hoje já vendeu milhões de exemplares, nos mais diversos países, o que prova que, não obstante a internet, muitos não possuem informação técnica e precisa de forma acessível, mas anseiam por aprender algo novo. O próprio título, divertido, faz com que vistamos o manto da humildade e possamos, sem vergonha, confessar que temos interesses por assuntos dos quais não temos facilidade em compreender.

Falando em facilidade de compreender, não posso deixar de citar Salman Khan, o professor admirado por Bill Gates. Khan defende uma escola menos chata, com o professor ensinando as matérias com uma linguagem próxima a dos alunos, mas, ao mesmo tempo - e isto é possível -, assertiva e técnica (mais uma vez esta palavra).

Por último, uma coincidência, se é que ela existe. A propaganda colada à reportagem da revista Veja, de 5 de dezembro de 2012, que fala da morte de Beting, traz a nova experiência da agência de publicidade NBS, que abriu um escritório na favela Santa Marta, no Rio de Janeiro. O objetivo é claro e está bem descrito na propaganda de página inteira, escrita, diga-se de passagem, em linguagem coloquial: "E pra assumir nosso papel nesta transformação: o de ser uma ponte entre as marcas/empresas e as milhares de pessoas que vivem em comunidades pacificadas". Veja-se que a própria agência diz que não é filantropia e sim negócio. Mas que negócio? Certamente o de descomplicar ainda mais a linguagem da propaganda, para que inclusive esta possa alcançar os mais de 630 mil moradores de áreas antes ocupadas pelo tráfico.

Pelo jeito, a palavra de ordem em vários setores da economia, porque não, veja-se os exemplos - editoras, escolas e agências de publicidade -, é descomplicar o complicado, é traduzir o introduzível, é deixar, portanto, acessível, a informação a todos; é, basicamente, wikipedizar o conhecimento.

A concentração de informação, que sempre existirá, para a proteção de segredos industriais ou estratégias de defesas militares, é importante. O que não se pode permitir é que em outros assuntos de interesse geral e que logicamente fazem com que as comunidades se desenvolvam o conhecimento seja restrito a poucos. Blindar conhecimento diminui a chance de nos desenvolvermos, como nação, como país.

Se fazemos isto, escrevendo difícil, com palavras do século XIX, de duas, uma: ou estamos nos protegendo, pois não temos o conhecimento necessário para escrever fácil, ou temos vergonha de expor nossas verdadeiras opiniões (talvez, por não considerá-las tão boas).

Blindagem das palavras?

Chega disto: vamos ser coloquiais e assertivos!

Se a função da forma é a beleza, já homenageando o grande arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, e já implementando seus ensinamentos, a beleza da palavra é ser compreendida!

Para leigos: chega de blindá-las!

Daniel Bushatsky
São Paulo, 7/1/2013

 

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