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Quinta-feira, 3/1/2013
Estação Esperança
Elisa Andrade Buzzo


ilustra: Renato Lima

Eis que a primavera é chegada em cada escapamento desabrochando. Ai que linda a dança dos carburadores alimentando a vida que finalmente dá seu salto esperançoso de continuidade. Essa transição promíscua entre a morte e a vida mexe com os cidadãos da urbe pouco afeita às maravilhas vegetais. No Centro Velho, os rosas e azuis da arquitetura de Artacho Jurado estão mais vivos e os cachecóis dos passantes imprimem estampas étnicas coloridas. A circulação de gente nada mais é que sombras oscilantes na claridade suspensa do retomar. A cidade é um camaleão que cria suas próprias cores, a depender da luminosidade, aprendeu a verter o cinza em cor de beleza e flor para a chegada da estação.

Do alto do Minhocão o dia amanheceu em tons de pêssego e nêspera, e eles vão se sucedendo numa luminosidade baça e entediante, não fosse a esperança da mudança atmosférica, da vida movendo-se ao pico do meio-dia. As fachadas dos prédios adquirem tonalidades fortes, sob o látego deste sol que adquire intensidade. As grandes vidraças resplandecem o sentimento da primavera nas poucas samambaias entregues ao vento, e é na velocidade dos autos que o recorte do skyline e da pista se desfaz em um todo contínuo, sucessão de imagens como um raciocínio que se autocompletasse.

Um trânsito descomunal toma conta das avenidas, pois a primavera é chegada, é tempo de se estar ao ar livre, contemplando a poluição, sentindo no rosto a baforada quente do eterno terral que não vence os contornos serranos. Cada antena alojada num prédio é um pico de alegria. Cada sombrinha uma flor bem-aberta e triste. Esta primavera tem mais termômetros palpitando do que botões abrindo. Ainda assim, do ipê contempla-se a singeleza do espetáculo de sua chuva rosada. E em meio à população em polvorosa, os gringos a trabalho na cidade querida encantam-se com o bom clima, a beleza discreta das mulheres paulistanas.

E pelos túneis da Estação Esperança as gentes perpassam e saem renovadas da terra sem frescor. Não importa se lhe falta profusão, a primavera chega deslizando em abismos. Pelas escadarias, elas são levadas pela tarde que se diz gostosa, quente e fresca com um céu de nuvens macias e brancas. Fim de tarde em tempo de primavera na cidade é assim, sem flores, dentro de apartamento, com taça de vinho e música lenta, que a vida pode não ter pétalas, nem ser poética, mas tem caule e a força do desfalecimento dos sentidos. E no início de noite primaveril, o céu carregado se desvai em chuva, em beijo duro e distante, em aspereza de espinho e incerteza.

Em outras casas, palmeiras artificiais dão a essa estação um ar de médio-oriente, é a planta que cresce e oferece sua sombra rastejante como dádiva aos seres errantes. E as amoreiras perdidas pelos bairros oferecem ao chão asfaltado sua tintura rubra de fruta madura, enquanto seus galhos altos ostentam o inalcançável. Que não se engane quem deixa o que se pode fazer hoje para depois, que posterga o amor para mais tarde − a certeza do desabrochar é esta: a vida é no aqui e no agora.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 3/1/2013

 

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