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Quarta-feira, 13/2/2013
O Som ao Redor
Humberto Pereira da Silva


Cartaz de divulgação no Festival de Rotterdam


O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, é o filme nacional que mais desperta a atenção da crítica no momento. Digno de nota, o fato de o cinema brasileiro nesses últimos anos ser marcado por duas características.

De um lado, o sucesso de bilheteria com comédias, um fenômeno que o cineasta Guilherme de Almeida Prado chama de "globochanchadas". De outro, filmes autorais com apostas formais e temáticas, mas fracassos de bilheteria. Para o crítico Jean-Claude Bernardet, estes últimos são "irrelevantes".

O filme de Kleber está do lado dos "irrelevantes"; vale dizer: para um público seleto. Mas quando se olha a história do cinema, muitos filmes irrelevantes, do ponto de vista do público, continuam vistos e cultuados nas décadas seguintes; são entendidos como emblemáticos dos sentimentos e tensões de uma época.

Com isso, a pergunta sobre O Som ao Redor é: trata-se de mais um filme com preocupações autorais, mas esquecido na próxima estação, ou tem potencial para atravessar décadas e ser visto como retrato crítico de uma época, justamente porque foge à lógica do mercado?

Minha aposta é que O Som ao Redor é mais que um belo filme autoral, que caiu nas graças de críticos talvez impactados pela sua inclusão no top dez do New York Times e no top vinte da Film Comment.

Há dois pontos que destaco para fazer essa aposta: o ambiente favorável de recepção; a maneira como o filme de Kleber é sensível a tensões presentes em nossa sociedade.

No entusiasmo pela recepção, um ingrediente é o clima que se criou nas décadas recentes, acerca da superioridade do cinema argentino em relação ao brasileiro. As rivalidades culturais com os argentinos carregam muito de simbólico, de filigranas com questões de afirmação que escapam ao mero anedotário.

Um filme como O Som ao Redor era esperado, atiça comparações e coloca em pauta a questão do orgulho nacional, mas tem a seu favor, para isso, a chancela internacional. Vencedor do Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Rotterdam, criticado por A. O. Scott, do New York Times, o ambiente de recepção favorece e garante o aguardado selo de legitimidade.

Além do ambiente crítico favorável e os elogios de praxe, chamo a atenção para um ponto que me parece vital no filme de Kleber. A sensibilidade para dialogar com o presente e captar como as relações de classe na sociedade brasileira, com a incorporação da classe C ao mundo do consumo, carrega potencial de esgarçamento com consequências imprevisíveis e violentas.

Com os novos "atores sociais" - para ficar na sociologia de ocasião - abriu-se a perspectiva de uma nova configuração social e de poder no Brasil. Se não houver discordância com respeito a esse arroubo sociológico, O Som ao Redor permanecerá porque se impôs para além de nossas fronteiras, e retrata com rara sensibilidade as tensões sociais do presente.

Do ponto de vista dos embates que suscita, Kleber Mendonça realizou um filme que é para os dias atuais o que Terra em transe, de Glauber Rocha, foi para a geração dos 60. A história se encarregará de mostrar se essa afirmação é equivocada.

Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 13/2/2013

 

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