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Quinta-feira, 17/1/2002
Economistas
Alexandre Soares Silva

Não, isto não é sobre você. É sempre sobre os outros. Somos nós contra os outros, lembra? Agora se acalma, e me escuta.

Economistas. Um economista é mais ou menos assim. Imagina isto: um grupo de crianças sai para um passeio. Uma delas se interessa pelas estrelas, mais do que por qualquer outra coisa: não que ela decida agora, mas vai acabar se tornando um astrônomo, digamos. Outra se interessa pelas plantas: vai se tornar um botânico. Outra pela praia: decide que vai se tornar um oceanógrafo. (Ou um vagabundo de praia - o que também tem a sua nobreza.)

Mas uma dessas crianças não disse nada, não se interessou muito por nada. No final do passeio, eles decidem passar no supermercado e comprar alguma coisa - sorvete, bolachas. A criança que não se interessou por nada está agora interessada em algo - no preço dos iogurtes. Ela se lembra que os iogurtes estavam mais baratos na semana passada. Subiram 5%. Na cabeça ela faz uma tabelinha sobre a variação do preço do iogurte durante todo o ano. E é isso, é a isso que ela vai dedicar toda a vida. Porque ela só se interessa pela variação do preço do iogurte, vai se tornar - economista.

Esta foi a mais romântica quadrisemana da minha vida
Meu problema com a visão econômica da vida é que ela é feia, feia, feia. Ela é chata, pobre, estúpida. Se a mente de um lepidopterologista é cheia de borboletas, se a mente de um musicólogo é cheia de música, se a mente de um historiador é cheia de batalhas e a de um mitologista de deuses, a mente de um economista é cheia de gráficos, e fotos acinzentadas de caldeiras e instalações industriais e pedaços de bauxita, e molequinhos cheios de graxa no Uzbequistão, e ricos de terno amarfanhado lendo os resultados da terceira septisemana de Agosto, com voz empolada.

Certo, um economista poderia se interessar por outras coisas também - xadrez, música, o que for. Não duvido que isso aconteça. Mas, tendo uma vida à sua disposição, não sabe fazer melhor do que dedicá-la à variação dos preços do iogurte.

Saramago
Depois de tanto tempo de admiração unânime, mesmo se hipócrita, parece que mais e mais vai crescendo a reação contra Saramago. O que é uma bobagem. O que o prejudica é que aparece demais, dá opiniões demais, frequenta o círculo Chico Buarque - Sebastião Salgado vezes demais... Mas não é justo julgar um escritor por suas opiniões - somos todos mais ou menos bestas neste mundo - o que fica é que ninguém vivo escreve a língua com tanta graça, com tanta habilidade, quanto ele. Por mais que se fale em Luis Fernando Verissimo e Millôr Fernandes como os grandes escritores vivos da língua, a verdade é que nos interessamos por eles porque a mente deles é interessante. A mente de Saramago não é - pelo menos pra mim (mesmo antes de ter lido todos aqueles livros e entrevistas, eu já tinha entendido que a tolerância é uma boa coisa); mas nenhuma outra mente tão desinteressante se exprime tão bem.

Diário Crítico
Estou lendo "As Relações Perigosas", de Choderlos de Laclos (quantos outros Choderlos você conhece?). O interessante no livro, acho, é a ambiguidade dos personagens maus (sem aspas - eles são maus), o Visconde de Valmont e a Marquesa de Merteuil. Choderlos era bom pai e bom marido, segundo dizem. E o Visconde e a Marquesa são evidentemente horríveis - é óbvio que Choderlos não escreveu o livro como uma "catequese da libertinagem" - que, pelo contrário, influenciado por Rousseau, queria mostrar como é horrível a falsidade de coração, a falta de espontaneidade. E mostrou. E é. Mas também é inegável que os dois personagens, por horríveis que sejam, só podem ser horríveis no grau em que o são porque também têm as suas virtudes - coragem, inteligência, habilidade, sangue frio - e aquilo que os franceses chamam de "panache"- traduzido pelo lexicógrafo M. Didi Mocó como "audácia da pilombeta".

Sim, eles são horríveis. Mas como são admiravelmente horríveis... Ah, essa é a questão...

Alexandre Soares Silva
São Paulo, 17/1/2002

 

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