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Segunda-feira, 18/3/2013
Matar e morrer pra viver
Carina Destempero

Amor e morte compartilham muito mais do que uma sílaba escrita. Podem parecer quase opostos, mas já pela linguagem percebemos sua aproximação: falamos o tempo todo em morrer de amor, julgamos crimes passionais, e até o orgasmo, em francês, é chamado de "la petit mort", a pequena morte. A literatura e a história nos dão vários exemplos dessa relação, por exemplo no suicídio duplo de Romeu e Julieta e Cleópatra e Marcos Antônio: se o amado morre, é melhor morrer também. Claro que essa é uma atitude radical e rara, mas a vontade de matar, ou a sensação de achar que vai morrer, no final de um relacionamento, é muito comum. E a verdade é que morremos mesmo. Uma morte metafórica, uma pequena morte não tão agradável quanto a dos franceses, porém real - apesar de simbólica. Quando estamos amando, namorando, casados, etc, partes de nós se transformam, são descobertas, inventadas... E muito disso se perde se aquele outro não está lá. Morrem também os planos que fizemos, os sonhos que tivemos, o futuro que já não será. Às vezes lutamos contra isso, forçamos a realidade tentando encaixar o passado no presente e no futuro, um pretérito sem delimitação, como se tudo dependesse da nossa capacidade de preservar o que um dia vivemos. E é aí que podemos morrer mesmo, como sujeitos. A vontade de matar e de morrer são importantes, o luto da vida a dois perdida é essencial para que se possa voltar a viver. Fico com sensação de estar a um passo de ser lida como uma autoajuda simplista que prega como se desapegar para viver um novo amor, mas não é isso que quero dizer. O que me move nesse texto é algo mais primitivo, é a sensação de que a morte é importante não para que se supere o passado, mas porque a morte, e o amor, são conceitos que não se dizem todos, que escapam não só às palavras mas à própria simbolização. E é essa falta de "carne" que os torna tão corpóreos, tão físicos na falta da metáfora, tão finais apesar da tentativa de continuidade. O amor e a morte são pontos sem retorno, que nos mudam inexoravelmente, e o único jeito de lidar com isso é vivendo-os na plenitude que se apresentam, tanto no começo como no fim. Do mesmo jeito que não adianta negar a morte, não é possível enganar o amor. É melhor aceitar - seja o começo ou o fim - e fazer o que for possível para não morrer por medo de morrer. Como fazer isso não sei. Pode ser chorando, cantando, dançando, escrevendo, ou comendo uma torta inteira de amora no jantar.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog Confraria dos Trouxas.

Carina Destempero
Rio de Janeiro, 18/3/2013

 

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