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Sexta-feira, 24/5/2013
Maffesoli, Redes Sociais e o Mundo Reencantado
Guilherme Mendes Pereira

Michel Maffesoli, sociólogo francês, pupilo de Gilbert Durand, atualmente professor da Universidade Paris Descartes, é um dos pensadores expoentes do que muitos convencionaram como pós-modernidade, conceito guarda-chuva que tenta abranger nossa sociedade contemporânea, suas práticas, produções culturais e relações sociais.

Figura despojada e ao mesmo tempo formal, de olhar brando e também firme, - destaque para a gravata-borboleta e as meias coloridas - Maffesoli nos proporcionou momentos de animada e entusiasmante companhia em um seminário ministrado por ele na Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, entre os dias 21 e 23 de novembro de 2012.

Divertida surpresa, além da oportunidade de travar contato com ideias articuladas cara-a-cara pelo pensador aclamado mundialmente foi, em dado momento, presenciá-lo corrigindo o tradutor, (sim, ele compreende bem até demais o nosso português): - [...] colegas não. Amigos! (ele referia-se ao público presente no seminário). E foi essa espontaneidade (quase Facebookiana) calorosa e fraternal que permeou sua fala densa e plural, recheada de uma manancial de conceitos e ideias, durante todo o evento.

Tento nos poucos parágrafos seguintes trazer algumas das inúmeras ideias apresentadas por esse mais novo e simpático amigo do Facebook. Destaco em particular os conceitos que tentam iluminar o nosso presente cibermediado e a vida cotidiana conduzida através das redes.

As teses de Maffesoli, grosso modo, partem da tentativa de compreender as comunidades (que ele chama de tribos) e seus imaginários e práticas cotidianas, entendidos como elos (cimento social) que alicerçam e sustentam a vida nas sociedades contemporâneas.

Para entendermos algo precisamos desvelar seus paradoxos e estruturas ao longo do tempo. Assim, a todo momento, Maffesoli nos expôs a dicotomia modernidade versus pós-modernidade. A modernidade com seu monoteísmo de valores, fundada na tradição perene, nas verdades absolutas, na ciência, nas grandes narrativas, na utopia do progresso e na ideia da salvação futura do espírito individual versus a pós-modernidade, barroca, difusa, fragmentada, descrente e caótica, que dá lugar ao politeísmo de valores, as ambiguidades, conflitos e incertezas dos sujeitos.

O conceito politeísmo de valores tenta sinalizar que não acreditamos mais na salvação através do trabalho, por intermédio de uma divindade onisciente e onipotente ou até mesmo pelo auxílio de um super-herói filho da modernidade. Perdidos, confusos e inseguros, nós, agora pós-modernos, parecemos retornar aos anseios e instintos arcaicos mais intuitivos. O futuro é incerto, o ideal de progresso e as grandes ideologias foram descortinadas. O importante agora é o estar junto. É o viver o presente com seus próximos da forma mais prazerosa possível. Aos olhos de Maffesoli, a aparente superficialidade do estar junto começa a ser complexificada e revalorada.

Nesse momento pós-moderno germinam sujeitos duplos, ambíguos, que se expressam através da teatralidade do dia-a-dia, do sentimento trágico da existência. Nas redes sociais da internet, por exemplo, como nos mostrou Maffesoli, insurgem outras formas de estar junto, de copertencer e de se relacionar, baseadas não mais no contrato social, mas agora no que o pensador chama de o pacto emocional.

É a chamada horizontalidade pós-moderna (a lei dos irmãos ou imanação) maximizada pela evolução tecnológica que substitui a verticalidade moderna (a lei do pai), que durante muito tempo estratificou e institucionalizou ideologicamente a sociedade em fatias estanques, seguras. Através da lei dos irmãos, os sentidos agora são construídos e experenciados no momento presente, e, através de uma maximização do sensorial e das relações sociais, tudo passa a ter sentido. É o momento da viralidade nos meios de comunicação social digitais. Aliás, a metáfora do vírus revela um contraponto interessante a assepsia e sanidade obstinadamente galgadas na modernidade, como nos indicou Maffesoli. Na net se propaga a figura do fractal, do fragmentado, do barroco, e os indivíduos passam a buscar a realização através do online na vivência de pequenas utopias intersticiais. Pequenas utopias que preenchem os vazios, conectam pedaços de nossas vivências e nos ligam ao outro.

O pensador ilustrou a pós-modernidade através da figura de Dionísio, ambígua, errante, aventureira, em busca do gozo na vivência despreocupada do presente. É a imagem da criança eterna, que carece de apoio do elemento maternal. Sinaliza o regresso às entranhas, ao sensível, ao sensorial. Sintonizada com as cadências do devir. O ser humano é percebido em seu âmago, além do cérebro racionalizador, com seu corpo sensual pleno de ritmos e sentidos. Essa imagem se contrapõe a Apolíneo ou Prometeu, representante da época moderna, um adulto centrado em si, coerente, trabalhador e procriador, que influenciou a racionalização da vida social no esquema da linha de montagem, baseada no trabalho e no contrato social.

O sujeito pós-moderno, hedonista e narcisista, que se importa com o gozo presente acima de tudo, valoriza e usufrui do seu corpo, da sexualidade e suas ambivalências. Mas esse narcisismo, conforme destacou Maffesoli não se constitui a partir do mergulho no reflexo de si, e sim na imersão na profusão do ambiente aquífero que conforma esse reflexo. No narcisismo das redes online importa a comunhão com o outro através do mergulho nas redes informacionais que acomodam realidades. Busca-se maneiras alternativas de se viver. Na net, florescem ímpetos de generosidade e solidariedade em prol do estar junto. Compartilhar, colaborar, cooperar são as ideias da vez que demostram essa outra forma de fruição do sujeito que se dá através do (e pelo) outro. Só há eu, mundo e coisas sob o olhar e elaboração do outro, insistiu Maffesoli.

Para o sociólogo, existe uma agitação entre paradigmas diversos, numa espécie de processo que tende ao equilíbrio: a supremacia de um tende a estimular a sobreposição de outro. Assim, no embate modernidade versus pós-modernidade os arcaísmos parecem retornar neste segundo momento.

Assim sendo, por exemplo, com o avanço da técnica no ocidente, o desenvolvimento científico e a racionalização totalitária das coisas e da vida, aconteceu uma espécie de desencantamento do mundo. Mas com a tecnologia pós-moderna, que uniu o logos a techné, parece acontecer o contrário: o reencantamento do mundo. A maior expressão atual disso, a internet, revela como seu principal propósito hoje o estabelecimento de laços, o gozo real, o lúdico do momento.

Só se pode captar o real a partir do seu avesso: o irreal, advertiu Maffesoli. O irreal advém do imaginário. O irreal, o imaginário, o lírico e o onírico renascem sob a alcunha do realismo mágico. Realismo esse potencializado pelas tecnologias cibernéticas. A pandemia da comunicação digital viral pós-moderna traz consigo outras formas de solidariedade e o pacto emocional das tribos pós-modernas. Pacto através do qual a razão e o humano, o intelecto e o afeto voltam a se inter-relacionar. E aí se acontece outro renascimento, juvenil, sobre o qual temos ainda muito o que apreender e compreender.

Após três dias de muitas conversas e apreensão de ideias, Maffesoli se foi, deixando saudades em seus mais novos amigos. Mas continuamos mantendo contato pelo Facebook.

Para ir além:
MAFFESOLI, Michel. O conhecimento comum. Porto Alegre: Sulina, 2007.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.

MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares do pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

Guilherme Mendes Pereira
Pelotas, 24/5/2013

 

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