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Quinta-feira, 16/5/2013
A cidade do improvável
Elisa Andrade Buzzo


ilustra: Renato Lima

Nesta cidade, você marca um encontro e ele, geralmente, sejamos sinceros, pode muito bem não acontecer. E tudo bem. Aí, você fica numa bolha, no vácuo, seja ilhado na cidade intransitável, seja em casa, indo pra debaixo do cobertor curtir a fossa do momento. São tantas as razões para se faltar em um encontro: o compromisso anterior atrasou, o trânsito, deu pane no metrô, tá tudo parado. Há sempre um bom álibi em São Paulo. Mas há alguns encontros que dão muito certo, meio que milimetricamente combinados, cafés que duram horas como se o papo pudesse se estender infinitamente, vinhos expectantes que marcam os vãos dos dentes. Até que, depois... se entra, não numa bolha, mas numa espiral de ausência.

Quando marcamos um encontro, não basta tê-lo marcado. O verbo da vez é "pré-marcar" pois, até o dia chegar, muita coisa pode acontecer e o compromisso poderá não ser honrado. Nossa informalidade está beirando a este ponto. As prioridades na vida de cada um, além dos imprevistos, mudam, correm soltas e livres ao sabor do desregramento, das frustrações e anseios de cada dia. A vida paulistana engana, parece que tem fortes amarras, ledo engano, um gesto basta para afrouxá-las, levar numa direção contrária tudo o que fora combinado ou jurado. Talvez seja bom assim: uma dose de imponderável, de aventura pouco violenta em nossos sentimentos tão carentes de emoção.

Ou então, um súbito mau-humor basta para que tudo seja des-marcado. Paulistano tá assim, de lua. Por isso, ele já sabe, deve fazer da confirmação de um encontro um ritual a ser seguido: um dia antes, ligar ou escrever perguntando se está em pé o que havia pré-marcado. Estando em pé, mais uma vez, no próprio dia do encontro, mais uma chamada para re-confirmar. E não é que em cima da hora muita gente desmarca ou pede para ligar dali a pouco para que elas confirmem? Fora os que nem se lembrar de ter compromisso ou, pior, se arranjam algo que mais lhe interessam no momento, tratam de desprezar o amigo de todas as horas. As variáveis da vida estão descompassadas.

Nesta cidade, você não marca um encontro e muita coisa acontece. Isso porque estamos na cidade do completo improvável. Não é 100% seguro nos precavermos de tudo, vestirmos a armadura do medo. Estamos expostos e por isso deve-se seguir o conselho da Danuza às mulheres e nunca sair sem rímel. Ademais, há sempre a possibilidade de um telefonema no meio da noite, um apelo inflamável, conquanto que não se espere por isso.

No encontro repentino, somos pegos despreparados, mas somos suficientemente bons para saber o que fazer. No impossível, sim, todos os bares estão fechados. As ruas, já desertas, estão todos em casa, recolhidos a sua vida submersa. A vida é surpreendentemente quente para ser preparada de véspera. Então, saímos em busca de qualquer coisa, não importa exatamente o que. As implicações, que elas fiquem para o amanhã, este amanhecer destituído de sentido, em que o lastro abandona o navio.

Elisa Andrade Buzzo
Lisboa, 16/5/2013

 

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