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Quinta-feira, 6/6/2013
Por falar em outras línguas
Carla Ceres

Nasci com vocação para aprender línguas, mas tive que aturar trigonometria e química orgânica no colegial, porque o curso dos meus sonhos, uma versão moderna do antigo curso clássico, não estava disponível. Ai, que inveja do meu bisavô, que sabia grego, latim e francês! Mas será que sabia mesmo? Claro que sim, porém... de acordo com os padrões da época.

Atualmente, quando alguém nos pergunta "Você sabe inglês?", é pouco provável que esteja interessado em nossa capacidade de ler Shakespeare e declamar trechos de O Paraíso Perdido, de John Milton, no original. Na maioria dos casos, a intenção é verificar se conseguimos usar nossos conhecimentos do idioma para conversar com um estrangeiro, compreender as instruções do computador, entender letras de música e filmes sem legenda.

O grego que se estudava no curso clássico não servia pra você mochilar pela Grécia, interagindo com o povo. Os professores ensinavam o grego clássico, indispensável para a missão très chic de ler Homero comme il faut, mas bem diferente da língua que se fala em Atenas, hoje em dia.

Diga-se, en passant, que a situação do latim também não andava lá essas coisas na época do curso clássico. Uma forma simplificada do latim clássico - o latim eclesiástico ou latim da Igreja - frequentava a missa aos domingos. Nas salas de aula, no entanto, só o latim clássico tinha vez. Complicação pouca era bobagem. Um dos objetivos implícitos da erudição era embasbacar os incultos como ainda fazem muitos advogados.

Os cursos de idiomas à moda antiga davam grande importância à leitura e pouca à compreensão da língua falada. Saber francês, para a maioria das pessoas, significava ler muito bem, mas ter enormes dificuldades para conversar com um falante nativo. Esforçar-se para pronunciar o melhor possível palavras estrangeiras a ponto de quase não ter sotaque era algo malvisto, pois, supostamente, denotava uma índole subserviente, bajuladora e pouco patriótica.

Nas últimas décadas, a crescente presença de estrangeiros no Brasil e o avanço da tecnologia provocaram grandes mudanças na aprendizagem de idiomas. Encontramos muitos falantes nativos de inglês e espanhol dando aulas em escolas de idiomas, junto com professores brasileiros que estudaram no exterior. A internet disponibiliza cursos e recursos multimídia aos interessados em aprimorar seus conhecimentos por conta própria ou em grupos. Há ótimos sites e blogs com materiais adequados a alunos de todos os níveis. No Inglês na Ponta da Língua, por exemplo, quem quiser aprimorar a pronúncia do sufixo ED, que aparece no final de muitos verbos e adjetivos em inglês, vai poder ouvir um podcast com a professora Kristen Hammer. No English Experts, há os interessantes jogos dos sete erros com músicas em inglês, para avaliar e treinar a capacidade de ouvir bem as palavras do idioma.

Embora eu tenha me divertido estudando latim na faculdade e pretenda, algum dia, aprender um pouquinho de grego, não acredito que essas línguas fossem fundamentais se quiséssemos estruturar um curso de segundo grau atual, voltado para a área de ciências humanas e idiomas. A língua internacional do momento é o inglês. Com uma conexão de internet e um inglês razoável podemos aprender qualquer outra língua. Os brasileiros, nem que seja por motivos geográficos, deveriam transformar seu portunhol fluente em um espanhol decente. Não é tão difícil assim e temos muito a ganhar com isso. Inglês, espanhol e, é claro, português seriam indispensáveis, mas poderíamos acrescentar idiomas opcionais.

Independentemente dos idiomas escolhidos, os cursos deveriam tentar ir além do ler, escrever, ouvir e falar. Essas quatro habilidades são básicas, qualquer boa escola as ensina, mas não bastam. Quem é bilíngue ou poliglota de verdade também consegue traduzir e interpretar. Não estou falando daquela traduçãozinha de frases simples e fora de contexto, que se fazia antigamente, como exercício de fixação de vocabulário. Mas também não me refiro à tradução profissional de obras literárias. A habilidade de tradução adequada a esse estágio permitiria aos alunos legendar um vídeo breve ou episódio de seriado como os legendadores piratas fazem. Deixando de lado os aspectos legais, o trabalho desses amadores impressiona pela velocidade, a capacidade de síntese e a criatividade. O grande conhecimento linguístico é apenas um dos pré-requisitos indispensáveis.

Quanto à interpretação, também não espero um resultado profissional, como o dos intérpretes da ONU. Bastaria a capacidade de passar de um idioma para outro, fazendo as adaptações necessárias, dentro de um tempo razoável. Nada disso é fácil, mas trigonometria e química orgânica também não são.

Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/

Carla Ceres
Piracicaba, 6/6/2013

 

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