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Quarta-feira, 17/7/2013
Toma!
Adriane Pasa

Quando eu estava no ensino fundamental lá pelos meus sete anos, sofri muito bullying, que na época a gente chamava de aporrinhação mesmo ou crueldade infantil. Bom, eu parecia um piá. Cabelo curto e dentes de Turma da Mônica, sem a mochila da Barbie e o tênis da moda. Só podia dar merda. Tinha uma menina na minha turma, a Viviane, que adorava quebrar minhas bonecas, rasgar meus livros e tirar um sarro da minha cara. Um dia ela jogou cola na minha cadeira e eu não vi. Era a cara da maldade. Sofri pacas. Mas depois mudei de colégio, virei popular e ficou tudo bem. Nunca quis atirar nos coleguinhas ou me matar, nem tive vontade de me vingar da Viviane. Gastei com terapia, é verdade. Mas hoje sou aparentemente normal. Disfarço bem.

Os seres mais evoluídos dizem que é preciso perdoar ou rezar pelos inimigos. Acredito nisso e sou contra a violência e a vingança. Mas a ira não está entre os Sete Pecados Capitais por acaso. Ela faz parte do ser humano. O duro é que alguns a colocam em prática castigando o inimigo das formas mais "criativas".

Prefiro me realizar na arte. Histórias de vingança sempre despertaram interesse nas pessoas. Novelas, filmes, contos de ficção, tudo que tem um coitado sofrendo e que depois dá a volta por cima sempre faz muito sucesso. O povo quer ver o pau comer desde que o mundo é mundo, nem que seja como espectador. E quanto mais trabalhosa a vingança, mais demorada e com requintes de crueldade, mais audiência.

Na literatura, uma das histórias mais famosas é O Conde de Monte Cristo, um romance escrito pelo francês Alexandre Dumas em 1844, que foi adaptado para o cinema por Kevin Reynolds e com Jim Caviezel no papel principal, em 2002. É a história de um homem que foi preso injustamente como traidor, na época de Napoleão Bonaparte. Essa é uma história incrível, a típica "vingança do pipoqueiro". Aliás, tenho uma amiga que vive usando essa expressão e esses dias a gente se perguntou de onde viria. Pesquisei e encontrei várias versões, mas gostei mais dessa: é uma lenda que conta sobre um cavaleiro chamado Sir Blackspot, que detestava pipoca (já começa por aí.quem, em sã consciência, detesta pipoca??). Um belo dia ele humilhou o pipoqueiro Charles Lockwell, um trabalhador honesto e simples, jogando-o numa poça de lama na frente de todo mundo, na região da Normandia. Um bullying tremendo. Foi então que Charles disfarçou-se de cozinheiro, invadiu a casa de Sir Blackspot e preparou um chá do tipo "mata elefante", usando um sonífero poderoso. Aí aproveitou e despejou milho de pipoca na garganta do cavaleiro, enquanto ele dormia.

No dia seguinte, Sir Blackspot saiu em missão nas Cruzadas usando sua notável e brilhante armadura. Aí o sol quente refletiu no metal e estourou a pipoca que estava no estômago dele, que começou a pular feito louco enquanto grãos saltavam de sua boca. Um vexame só. Charles, o pipoqueiro, só rindo e curtindo sua vingança nos bastidores. Aí surgiu a expressão.

Mas essa até que foi leve. Tem histórias bem piores, principalmente quando a pessoa se vinga de uma crueldade sem tamanho, como em Dogville, de Lars von Trier ou em A Morte e a Donzela, de Roman Polanski, onde a protagonista encontra seu algoz muitos anos depois de ter sido torturada por ele, numa situação pra lá de inusitada. Além destes filmes, estão entre os meus preferidos Kill Bill, uma verdadeira obra de arte de Quentin Tarantino (esse gosta do tema vingança), Ela é o Diabo, um clássico dos anos 80 em que uma dona de casa gorda e feia é traída por seu marido com ninguém menos que uma escritora rica, famosa, loira e magra (interpretada por Meryl Streep), Caché, de Michael Haneke, onde um casal recebe fitas de vídeo com imagens de sua casa e desenhos assustadores e a coisa se revela mais misteriosa ainda, envolvendo histórias do passado e o aterrorizante Carrie, a Estranha, história de Stephen King que em 1976 foi adaptada para o cinema por Brian de Palma, um clássico do terror que teve várias outras versões. O cinema tem a habilidade de fazer da vingança um espetáculo, algo bem mais interessante do que um prato frio. Pena que eu não assisti a estes filmes quando criança. Teriam me dado boas ideias.

Seguem algumas sugestões para deixar qualquer pipoqueiro com inveja. Não assistam se tiverem planos malignos em mente.

Carrie, a Estranha (Carrie, 1976), de Brian de Palma (tem outras versões, mas esta é sensacional).

Ela é o Diabo (She-Devil, 1989), de Susan Seidelman.

A Morte e a Donzela (Death and the Maiden, 1994), de Roman Polanski.

O Clube das Desquitadas (The First Wives Club, 1996), de Hugh Wilson.

Sleepers - A Vingança Adormecida (Sleepers, 1996), de Barry Levinson.

Gladiador (Gladiator, 2000), de Ridley Scott.

O Conde de Monte Cristo (The Count of Monte Cristo, 2002), de Kevin Reynolds.

Kill Bill, Vol. I (2003), de Quentin Tarantino.

Oldboy (2003), de Park Chan-wook.

Dogville (2003), de Lars von Trier.

Caché (2005), de Michael Haneke.

V de Vingança (V for Vendetta, 2006), de James McTeigue.

Revenge (série de TV norte-americana de drama criada por Mike Kelley e estrelada por Madeleine Stowe e Emily VanCamp, teve seu primeiro episódio em 2011).

Django Livre (Django Unchained, 2012), de Quentin Tarantino.

Este vídeo famoso no Youtube é de um menino que se vinga do colega reagindo ao bullying, em uma escola australiana. Viviane, essa é pra você.



Nota do Editor: Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado em Cinema sem Blá Blá Blá.

Adriane Pasa
Curitiba, 17/7/2013

 

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