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Terça-feira, 30/7/2013
Do que se deseja
Carina Destempero

Sabe o que é o pior? É que eu nem queria nada com ele, você lembra. Pra mim era uma brincadeira, diversão. Mas ele insistia, ia fazendo tudo certinho, bonitinho, flores, palavras de amor. Aí quando vi eu já estava achando que tudo era um sonho lindo e ele o amor da minha vida. Tudo pra ele agora fazer isso.

Ela abria e fechava a boca repetidas vezes, como se quisesse falar e calar ao mesmo tempo. Até que perguntei o que ele tinha feito.

Ele tem outra. Ou outras, na verdade. A Paula veio me falar toda cheia de dedos que tinha visto ele com uma mulher na rua, e que pareciam mais do que amigos. Quando perguntei, ele nem negou! Disse que gostava de mim, mas que ficar só comigo não o satisfazia mais. Comecei a perguntar sobre as vezes em que ele dizia sair com amigos do trabalho, e ele riu, dizendo que é claro que eu sabia que ele estava com outra! Ele RIU!

E ela chorou. Chorava com raiva e não parava de falar, de contar detalhes e relatar as frases dele palavra por palavra.

Você acredita que ele ainda teve a coragem de dizer que esperava que nós pudessemos ser amigos? Que queria que eu me encontrasse e fosse feliz? Quando ouvi ele falando essas coisas tive vontade de morrer, ou de matá-lo, sei lá. Mas, tudo acabou, e continuamos vivos.

Acabou como, você ainda não contou nada do que você disse.

Ah, não sei o que disse, acho que não falei nada. É estranho, não lembro direito das minhas frases, mas as dele parecem grudadas nos meus ouvidos. Da minha parte só lembro da raiva. Muita, muita raiva.

Raiva do quê?

Do que ele disse. Dele. De mim. De mim, muita raiva de mim, como eu pude não ver o que estava acontecendo?

Nesse momento ela calou, e as lágrimas ruidosas também calaram, um choro silencioso agora escorria para a almofada que já tinha uma enorme mancha dīágua. Até que percebi que ela tinha parado de chorar, e olhava fixamente pro quadro em frente ao divã, que mostra uma construção em andamento. Perguntei suavemente no que ela pensava.

Em mil coisas, não sei dizer.

É importante que você tente, mesmo que não saiba organizar, mesmo que ache que é besteira.

Não acho que é besteira, é que é muita coisa. Estou pensando em como eu não percebi, em como acho agora que me esforcei pra não ver que as coisas não iam bem. Em como fingia não me importar com o que me importa, em como vivia no passado, ou no futuro, sempre em um momento da relação que não era o presente. E olhei pra esse quadro e pensei em como uma relação está sempre em construção, e em como abandonamos a nossa, não só ele, eu também, por preguiça, falta de vontade, sei lá o porquê, mas o fato é que abandonamos. Acho que minha maior raiva é disso, fiquei irritada com ele, com o que ele disse, com o que ele fez, mas no fundo o usei como desculpa pra não admitir que eu não falei muita coisa, não fiz muita coisa, e agora é tarde demais.

Pra voltar no tempo e fazer diferente é sempre tarde demais, falei, mas pra viver, enquanto ainda se está vivo, não. É sempre tempo de dar um passo pro lado, de retomar a construção, talvez não a dessa relação, mas a sua. O preço é alto, mudar, assumir responsabilidades, é algo muito custoso. Mas, como você já percebeu, não fazer nada pode custar ainda mais.

Eu venho aqui esperando que você concorde comigo, que diga que ele é um canalha, que a culpa é toda dele, e aí quando vejo estou falando da minha responsabilidade, e você não só não a ameniza como ainda aumenta! Você nunca vai me dar o que eu espero?

Tomara que não. Mas, se tivermos sorte, vou te ajudar a descobrir o que você deseja.

Nota do Editor:
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no blog Confraria dos Trouxas.

Carina Destempero
Rio de Janeiro, 30/7/2013

 

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