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Quarta-feira, 21/8/2013
Mídia Ninja coloca o eixo em xeque
Humberto Pereira da Silva

1.
O programa Roda Viva, da TV Cultura, exibiu na edição de 5 de agosto último entrevista com Pablo Capilé e Bruno Torturra, integrantes da Mídia Ninja. Alçada a celebridade depois da cobertura em tempo real das jornadas de protesto de junho, que mobilizaram a opinião pública brasileira, a Mídia Ninja passou num curto espaço de tempo do céu ao inferno.

Na entrevista, suas atividades, logística, organização e o modo como captam recursos foram questionados, mas a dupla, para importantes seguimentos da imprensa, se saiu muito bem do caldeirão de perguntas. Nos dias seguintes, contudo, Pablo Capilé, seu principal articulador, foi posto nas cordas. Numa avalanche de críticas e questionamentos, ele tem sido cobrado sobre como funciona o coletivo Fora do Eixo (FdE), ao qual a Midia Ninja está ligada.

2.
Órgãos como Veja, Folha de S.Paulo, Carta Capital colheram depoimentos que lançam suspeitas, insinuam acusações gravíssimas sobre o modo de atuação do FdE. As ações do coletivo envolveriam situações que vão de sexismo, intimidação de integrantes a calotes de artistas com projetos divulgados pelo FdE. Para quem foi pego de surpresa com a atuação dos membros da Mídia Ninja no Roda Viva, e mal teve tempo de entender direito o que se passou, foi novamente surpreendido com o reboliço em torno das acusações feitas ao coletivo.

3.
Assim, pode parecer um tanto leviano meter a mão num vespeiro de que, ao fim e ao cabo, o acúmulo de dados, situações e informações apenas gera confusão. Mas levemos em conta uma regra para o direção do espírito: separemos por partes. Entre o céu e o inferno, como diria o poeta, há o purgatório. Antes de colocar o FdE entre círculos extremos, poderemos.

4.
A repentina notoriedade do FdE, da Mídia Ninja e de Pablo Capilé geraram um clima de histeria, com as acusações mais assustadoras (a história não se cansa de ensinar que demonizações sob forte clima de paixão obscurecem a razão: quem foi Girolano Savonarola?). Ocorre que, como agora bem divulgado, o coletivo FdE funciona há dez anos. Ou seja, como um vetor de duplo sentido, a Verdade de um lado se inverte, do mesmo modo que na troca de sinal numa equação matemática.

Os depoimentos colhidos pelos órgãos citados são acompanhados da celebrização do coletivo e de Capilé. Isso significa que as acusações, num grupo que atua já faz uma década, se Verdadeiras eram conhecidas e não foram antes denunciadas. Por quê? Do modo como li o que pesa sobre o FdE, trata-se de uma organização criminosa que agiu a céu aberto, sob a vista de todos que com ela fizeram "negócios".

Mas isso é como o traficante que leva seu produto e o expõe numa Feira Livre. E isso me traz à mente o comércio de CD Pirata na frente do Espaço Itaú de Cinema. Ao sair do cinema, vi que enquanto o filme Somos tão Jovens, singela cinebiografia do jovem Renato Russo, era exibido numa das salas, na frente do cinema um camelô vendia uma cópia sem qualquer constrangimento.

Ações do FdE podem, óbvio, ser ilícitas, portanto alvo de investigação policial. Isso está sendo feito a partir das acusações colhidas? Ora, a conivência com atos ilícitos, o camelô na frente do cinema, e depois a espetacularização por conveniência me parece devam ser discutidas no âmbito da moralidade pública. São os atos de corrupção com que se convive e não se denuncia senão diante de holofotes, quando tudo vira espetáculo, tudo se confunde e todos os gatos são pardos.

5.
A discussão cada vez mais enrolada sobre a forma de organização do FdE provoca um obscurecimento dos meios utilizados para realização e promoção de eventos culturais no Brasil. O que tornou possível a existência de um coletivo para articular atividades culturais em cantos do país não antes mapeados? O que me parece visível é a esperteza do FdE para sacar o momento, ocupar espaço vazio e usar recursos tecnológicos hoje disponíveis para entrar em lugares até então ignorados ou segregados pela grande mídia.

Os fins justificam os meios? (frase erroneamente atribuída a Maquiavel). Ora, talvez seja o caso de perguntar por que nas salas de espera de qualquer consultório médico a TV está ligada o tempo todo na Rede Globo. Diante do monopólio da comunicação de massa talvez seja o caso de pensar o que significa resistência cultural. E ai sim, em termos maquiavélicos, uma questão de virtu e fortuna.

6.
A existência do FdE, e por consequência da Midia Ninja, está fortemente atrelada a transformações por que passamos nos últimos anos com o surgimento de novas formas de comunicação pela internet. Está longe de ser um fenômeno no qual se esgote a possibilidade de compreensão e os rumos que pode tomar. Mas, importante frisar, o FdE, com a Mídia Ninja, é fruto de um momento em que está em pauta uma nova maneira de se provocar debates no nível da cultura e no fluxo das notícias.

O que ocorrerá amanhã, só se pode especular. Mas me parece claro que, como fenômeno de mídia, estamos diante de uma situação que coloca em xeque a maneira habitual com a qual lidamos com a comunicação de massa. Na era das redes sociais, para o bem e para o mal, o alcance de uma notícia, de um acontecimento contornável, está além do que qualquer canal de comunicação antes podia sonhar, até a Rede Globo. Esse o mundo em que vive o sagaz Pablo Capilé.

Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 21/8/2013

 

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