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Terça-feira, 27/8/2013
Presenças
Paula Ignacio

Li sobre um novo termo adotado para o ato de checar o celular mesmo na presença de outras pessoas: Phubbing. Já ouviu falar?

Está aí um comportamento que se tornou comum e o qual ainda sinto dificuldade para compreender.

Passei muito tempo sem smartphone e isso me livrou um pouco do vício em internet fora de casa.

Considero compreensível utilizarmos a rede para tudo. Ótimo, para ser bem sincera. Confesso que sem ela meu trabalho hoje seria praticamente impossível. Algumas relações também.

Apesar das maravilhas proporcionadas pela "linha" tenho mesmo sentido falta de presenças. Sabe o tal do "carne e osso"? E a presença de espírito, de alma?

Estar presente é estar inteiro. Não há necessidade de "ser" inteiro o tempo todo. Missão difícil essa. Mas "estar" é só momento. Custa tanto assim "estar"?

Não é só a "checagem" de mensagens que incomoda. É a falta de presença. Falta de relações onde haja entrega verdadeira. O tal "Phubbing" é só um dos sintomas de como as relações acontecem agora.

Gosto de pensar em comportamentos "futurísticos" mas rola um certo saudosismo por aqui. Saudade de uma época na qual as pessoas conversavam olhando nos olhos e sentiam trocas mais marcantes e sinceras. Saudade de quando corpo e alma caminhavam juntos.

Ontem assisti ao filme brasileiro Paraísos Artificiais. História bonitinha que mostra o efeito de drogas psicodélicas, bem como consequências desastrosas para alguns.

Gosto do vinho, da boa cachaça e compreendo quem gosta dos paraísos artificiais. Como interpretou Cazuza: "Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida, na poesia, no embalo da rede, matando a sede na saliva...ser teu pão, ser tua comida, todo o amor que houver nessa vida...e algum trocado pra dar garantia...e algum veneno antimonotonia..."

Os remedinhos tarja-preta hoje fazem as vezes dos venenos aos quais chamamos de "drogas". Ao menos a psicodelia parecia mais sincera: o LSD auxiliava o corpo durante o processo de entrega à natureza da alma.

Escrevi bastante e ainda tenho escrito sobre corpos: relações, psicologismos e virtualidades. Mais uma vez me pego pensando em como eles se relacionam superficialmente entre si — tudo por conta da incapacidade de estar entregue com verdade.

Vide a maioria das mulheres (me incluo nessa) e suas relações com seus formatos. Espelhos inimigos em imagens cada vez mais deterioradas.

Ontem acessei um site chamado: Gostosa que se acha gorda. Genial, o link expõe fotografias de mulheres "reais" que se sentem gordas. Por quê compramos a porcaria de uma imagem que não serve para todas, a da "magreza que encanta"?

Existem mulheres muito bonitas ao natural, outras que só saem belas nas fotos, outras que vestem bem certos cortes de roupas. Cada uma com sua diferença e é exatamente isso o que faz do mundo um lugar colorido. Existem pessoas que ficam bem quando desfilam, outras que saem bonitas diante de câmeras, não há problema nenhum em escolher os fotogênicos.

O problema é que o mundo inteiro escolhe o mesmo padrão e formato para divulgar peças publicitárias, filmes, imagens de artes - e isso incita um comportamento doentio em homens e mulheres.

Por causa do lance da imagem e da cobrança em estar sempre "de acordo" com o padrão "magra e linda" eu mesma já passei pelo absurdo de sentir receio ao sair de casa. Cheguei a ser cobrada por uma amiga: "você engordou um pouco, cuidado!". Pouco importou para quem proferiu essa frase se eu estava me sentindo bem comigo mesma. A única coisa que preocupava era a imagem-padrão.

Como conseguir uma boa relação com o corpo se nunca estamos satisfeitos com ele? Vejo as coisas da seguinte maneira: ou você vive de passado na tentativa de "manter" um padrão de magreza adolescente ou vive de futuro na busca pela "imagem ideal". E o presente, como fica? Já cansei de ouvir: "Quando eu era mais magra, quando eu era mais bonita" de amigas que são lindíssimas (de corpo e alma).

Voltamos a questão da Presença.

A imagem que temos de nós mesmos está tão deturpada que as expressões corporais foram radicalmente alteradas. A insegurança com o próprio formato não nos permite uma relação de inteireza com nós mesmos. Posto isso, se não há relação com o próprio ser, quem dirá com os outros. E isso se estende para o corpo a corpo.

Diante da dificuldade de expressar livremente quem somos nos tornamos "virtuais", "alvos fáceis", daí os vícios em redes sociais e em "checagem de mensagens". Talvez por isso a falta de presença.

Deixamos o corpo pra lá - como se olhar nos olhos fosse "coisa do passado". Importante mesmo é checar os "likes".

Se nossas relações fossem mais saudáveis e sinceras isso não aconteceria, talvez a entrega e a presença fossem mais constantes, carregadas de plenitude.

Saudade de quando recebia menos mensagens e meu telefone tocava mais. De quando podia ouvir as vozes das pessoas, encontrar mais vezes, ser inteira.

Lamento tanto pela falta da presença. Na internet sinto que sou pela metade: não sou presença, apenas virtualidade.

Paula Ignacio
São Paulo, 27/8/2013

 

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