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Terça-feira, 24/9/2013
Stephen Walt e o imperialismo dos 'liberals'
Celso A. Uequed Pitol

Neste excelente artigo publicado em seu blog na "Foreign Policy", o cientista político e internacionalista americano Stephen Walt usa a expressão "liberal imperialist". Como é sabido, a expressão "liberal" tem nos EUA uso bem distinto do corrente no resto do mundo, inclusive no Brasil, e nem sempre tem correspondência exata no espectro político de grande parte dos países. Cumpre, então, defini-la. E para defini-la, nada melhor do que dar voz a dois autênticos liberals: John Kennedy e Paul Krugman.

Para Kennedy, um liberal é "alguém que olha para frente e não para trás, alguém que dá boas-vindas a novas ideias sem reações rígidas, alguém que preocupa-se com o bem-estar do povo - com a saúde, a habitação, as escolas, empregos, direitos e liberdades civis". E completa: "Se isso é o que entendem por 'liberal', eu tenho orgulho de dizer que sou um 'liberal'". Já Krugman prefere falar em primeira pessoa e usar a si mesmo como exemplo: "Eu acredito numa sociedade relativamente igualitária, amparada por instituições que limitam extremos de riqueza e pobreza. Eu acredito em democracia, liberdades civis e igualdade perante a lei. Isto me faz um 'liberal', e tenho orgulho disso". Como se vê, dois 'liberals' não apenas autênticos, mas com orgulho disso

Destas duas definições sublinhamos alguns pontos essenciais: progressismo, busca pela igualdade material através da intervenção do Estado, liberdades civis conjugadas com (e condicionadas à) garantia dos direitos sociais - em suma, aquilo que um brasileiro, assim como qualquer latino-americano ou europeu, facilmente identificará como propostas de esquerda. Desnecessário dizer que não se trata da esquerda revolucionária ou dos seus congêneres, mas sim da esquerda que chega ao poder dentro do paradigma democrático vigente e apresenta propostas de políticas públicas dentro deste paradigma. É o próprio Krugman quem esclarece: um liberal é mais ou menos o que os europeus chamam de social-democrata. Ou seja, um esquerdista.

Explicada a tradução da expressão, a surpresa é inevitável . Como assim, um imperialista de esquerda? Essas não são coisas da direita? Como podem estes autoproclamados bem intencionados senhores, preocupados com a saúde, a educação, os empregos, a liberdade e o bem estar da população - com os "direitos humanos", enfim - defender guerras que merecem, sem exagero algum, o título de genocidas? Como podem os liberals acabarem por cerrar fileiras ao lado de seus (em princípio) adversários, os neoconservatives? É o que Walt explica neste artigo, onde aponta dez características (que vão resumidas abaixo) de um imperialista de esquerda, definindo-o de uma forma que, acredito eu, entrará para os melhores e mais atentos commonplace books : Liberal imperialists are like kinder, gentler neoconservatives .

Vale a pena meditar um pouco sobre elas, em especial neste momento em que os liberals (e neoconservatives ) de todo o mundo estão apoiando uma intervenção no conflito na Síria:


1) Você frequentemente se pega defendendo que os Estados Unidos enviem tropas, drones, armas, forças especiais ou patrulhas de combate aéreo a algum país que você nunca visitou, cuja língua você não fala e ao qual você nunca prestou muita atenção até que coisas ruins começaram a acontecer ali.

2) Você tende a dizer que os Estados Unidos estão moralmente obrigados a "fazer algo" em vez de apenas manter-se longe de perigosas disputas.

3) Você pensa globalmente e fala globalmente. Você é rápido ao condenar violações de direitos humanos por outros governos, mas fecha os olhos para as violações americanas (como tortura, assassinatos seletivos, Guantánamo, etc) e a de aliados dos EUA.

4) Você é um entusiasta do direito internacional, exceto quanto ele é um obstáculo a "Fazer a coisa certa". Aí, você enfatiza suas limitações e explica porque os EUA não precisam segui-lo neste ou naquele caso.

5) Você pertence ao coro respeitável daqueles que saúdam o trabalho dos militares americanos, mas provavelmente desencorajaria seus filhos a tomarem uma carreira militar.

6) Mesmo que você não saiba muito sobre história militar, logística ou operações militares modernas, você está convencido que poder militar é capaz de obter resultados políticos com um custo relativamente baixo.

7) Você tem - a seu favor - simpatias por qualquer um que se opõe a um tirano. Infelizmente, você não costuma perguntar se rebeldes, exilados ou outras forças antiregime estão tentando obter a sua opinião favorável contando a você o que eles acreditam que você queira ouvir (duas palavras: Ahmed Chalabi)

8) Você está convencido que o desejo por liberdade está inscrito no DNA humano e que a democracia liberal ocidental é a única legítima forma de governo. Assim, você acredita que a democracia por triunfar em qualquer lugar - até mesmo em sociedades profundamente divididas que nunca foram democráticas - se alguém de fora ajudar.

9) Você respeita os argumentos daqueles que são céticos quanto a intervenções, mas você secretamente acredita que eles não se importam em salvar vidas humanas.

10) Você acredita que, se os EUA não tentarem parar um desastre humanitário, sua credibilidade como aliado será destruída e sua autoridade moral como defensor de direitos humanos será prejudicada, mesmo se não houver interesses estratégicos em causa.


Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 24/9/2013

 

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