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Sexta-feira, 6/9/2013
Pensar Não é Viver
Carina Destempero

Sempre falei que essa coisa de não estar pronto pra um relacionamento era uma desculpa esfarrapada, mas e agora que tenho pensado exatamente isso? Será que é só uma desculpa, também?
Quando você fala sobre não estar pronta, o que significa pra você, que outros pensamentos te vêm à cabeça, perguntei.
Que não era pra acontecer agora. Que ainda estou me recuperando daquele monte de envolvimentos desastrosos que tive no último ano. Que tinha planejado tirar um tempo só pra mim, pra viajar, pra fazer o que gosto, pra descobrir o que eu gosto, aliás.
Então, o não estar pronta tem a ver com precisar mudar seus planos?
Detesto quando você faz isso.
O que você acha que eu fiz?
Você faz uma pergunta e eu me sinto uma idiota, como se eu tivesse dizendo que acho que o amor e a vida têm que esperar enquanto faço o que acho que deveria fazer.
Mas não é isso que você estava dizendo, questionei num tom de vez que esperava ser acolhedor. Ela suspirou fundo antes de responder,
É, acho que era isso que eu tava dizendo. Mas, pelo visto, é absurdo. Ou não. Ah, não sei. Eu quero acreditar que dá pra ser assim, que agora que resolvi que preciso me encontrar sozinha, o amor vai esperar, a vida vai parar, e tudo só vai acontecer quando eu estiver pronta.
E como você acha que vai ficar pronta?
Pensando, refletindo, vindo aqui. Não é pra isso que eu venho, pra conhecer essa estranha que mora dentro de mim?
Mas pra isso você não precisa se isolar, pelo contrário. Como você vai descobrir o que deseja da vida sem viver? A vida não é linear e lógica como gostamos de fazê-la na nossa cabeça, é preciso estar no meio da loucura que ela nos mostra para perceber como a vivemos.
Mas será que eu consigo fazer isso? Pensar em mim estando com alguém, enquanto as coisas acontecem. E também não acho que esse alguém é o Rodrigo. Nem sei por que estou saindo com ele, ele não tem nada a ver comigo. Era pra ser só um encontro, pra voltar a acreditar que sou atraente, mas quando vejo estamos saindo de novo, e de novo, e nem sei se gosto dele, é tanta coisa pra avaliar e entender que não consegui chegar nisso ainda.
Quando Freud disse que o advento do inconsciente era a terceira ferida narcísica da humanidade, porque nos mostrava que nossa tão amada racionalidade não era o que nos controlava, não sei se era possível prever a dimensão disso. Como é difícil aceitarmos que não é pela via da razão que nossas escolhas mais importantes são determinadas. Talvez, arrisquei depois de algum tempo em silêncio, você não precise saber, antes, se gosta dele, ou se consegue prestar atenção em si estando com outro. Talvez você precise viver isso, mesmo sem saber.
Ai, que saco, viu. Venho querendo resolver tudo, e só fico com mais dúvidas. Se antes eu achava que o problema era que não tinha tido tempo pra pensar e analisar, agora já não sei mais nada. Acho que é melhor esquecer, esse negócio de amor é muito estranho e louco e realmente não dá pra entender. Mas, sem entender, sem saber, como vou fazer a coisa certa? Quer dizer, existe a coisa certa? Nem isso eu sei mais.
Interrompi ali a sessão e ela saiu entre suspiros e bufadas. Fechei a porta pensando em como usamos a busca pela coisa certa para nos esquivar de tomar decisões. Quanto menos lógica uma decisão tem, mais tentamos racionalizá-la. Mas não adianta, mesmo que depois julguemos uma escolha feita como errada, ela continua sendo a escolha que fizemos. Só o que nos resta é aceitá-la, e assumir as consequências. Mesmo, e principalmente, quando não sabemos porque escolhemos.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no blog Confraria dos Trouxas.

Carina Destempero
Rio de Janeiro, 6/9/2013

 

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