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Terça-feira, 15/10/2013
Seamus Heaney, poeta de reconciliação
Celso A. Uequed Pitol

Talvez a pior maneira de se aproximar da obra de Seamus Heaney, falecido a 30 de agosto deste ano, seja pelo seu aspecto político. Quem demorar-se demais num tema que está presente em dois ou três de seus livros perderá a força presente no resto do conjunto, uma relação profunda com a terra natal.

Heaney nasceu em 1939, na Irlanda do Norte. Conhecer a Irlanda do Norte é essencial para quem quer conhecer a obra de Heaney, profundamente assentada naquele país dividido. Fruto do colonialismo inglês, a divisão política entre o sul majoritariamente católico e o norte majoritariamente protestante encobre a divisão cultural que existe neste último: de um lado, os descendentes de colonizadores ingleses e escoceses das Lowlands, protestantes e fiéis à Coroa; de outros, descendentes dos celtas originais do país, católicos e defensores da união com a República da Irlanda. A religião é apenas uma das barreiras a separar as duas comunidades, que também se separam pela língua, pela história e pelo destino. E Seamus Heaney era da comunidade católica, isto é, da comunidade oprimida, minoritária, sujeita a leis discriminatórias até a sua entrada na vida adulta, revoltada contra as condições que lhe foram impostas.

Tudo isso aparece na poesia de Heaney. Aparece, sim, na forma de poesia política, como nos seus livros dos anos 1960. Heaney nunca foi um poeta-guerreiro como um Padraig Pearse, artífice da revolução de 1916 e convertido em mártir após a morte na forca: tampouco foi um cego anti-inglês. Mas, justamente por não ser cego, foi inteligente o suficiente para saber que não era britânico como os ingleses. Recusou fazer parte de uma coletânea de poetas britânicos e admitiu, em um poema seu, nunca ter levantado um copo para saudar a rainha. Ao mesmo tempo, foi autor da tradução premiadíssima do épico anglo-saxão Beowulf, poeta arquigermânico e arqui-anglo-saxão - portanto, arqui-inglês - que o arquicelta Heaney traduziu, segundo ele mesmo, dando um colorido e uma vocalidade irlandesas às duras sílabas do velho idioma germânico incompreensível para os ingleses de hoje.

Nunca deixou de entender o que era o conflito. E nunca deixou de entender o que era a reconciliação. Antes de ser poeta da guerra, Heaney foi o poeta da reconciliação.

Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 15/10/2013

 

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