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Sexta-feira, 25/1/2002
Absurdos jurídicos
Rafael Azevedo

STOP THE PRESS!
A justiça brasileira, inepta e corrupta, inocentou ambos os assassinos da atriz Daniela Perez, por motivos que dificilmente a razão pode compreender. Seus advogados encontraram brechas num código penal mal elaborado, penso eu, cá de baixo de meu desconhecimento; não entendo nada sobre as minúcias técnicas do assunto, confesso. Nunca padeci deste peculiar interesse que é o Direito, nem sofro desta mórbida vontade de entrar no mundo "legal"; mas sei muito bem quando alguma decisão ultrapassa os limites mínimos do bom senso, que já vêm "de fábrica" - ou deveriam - na grande maioria dos seres humanos. Pessoas que matam outras a tesouradas não poderiam ser liberadas de uma prisão com tão pouco tempo de cadeia, ou melhor - não poderiam ser liberadas com tempo algum de cadeia - mas, acima de tudo, não poderiam ter, em menos de seis meses, ter seu prontuário limpo, como se fossem réus primários. Não são réus primários, ponto - o que o juiz que tomou essa decisão tem a dizer? Realmente gostaria, por mais peculiar que isso possa parecer - como aquele cientista louquinho que estuda excrementos de camelo - de saber o que pensa alguém que inocenta uma pessoa que assassinou de maneira tão brutal outra. A imprensa não ajuda a esclarecer.


pietas aut vanitas?
Qual o porquê deste misterioso “lobby” contra a prisão perpétua, que envolve políticos, advogados, entidades de defesa dos direitos humanos e jornalistas? A grande maioria ignora o assunto, e, quando o aborda, ainda que levemente, o faz com um misto de desprezo e descaso, como se fosse uma idéia disparatada, algo fora de cogitação. É difícil entender, não importa o esforço. Outro dia vi o lombrosiano presidente da OAB, sujeito incapaz de concatenar a frase mais elementar, declarar na imprensa a torto e a direito que era contra a pena perpétua, afirmando que a pena máxima de 30 anos prevista no código penal brasileiro (uma obra-prima de que nos devemos orgulhar, decerto; esse “teto” de 30 anos é um dos maiores absurdos jurídicos que tenho conhecimento na história ocidental) já equivalia a uma prisão perpétua. Não, “doutor”, 30 anos são 30 anos – prisão perpétua é uma vida inteira. Parece que por mais acaciana que a frase soe, ela ainda tem de ser dita para alguns... depois de 30 anos num xilindró fétido, o que a sociedade ganha com a liberação do tal criminoso? De maneira alguma ele conseguirá ter um papel produtivo na sociedade, que fará valer a pena o “perdão” do grave delito que cometeu - apenas ocorrerá o mais provável, que este indivíduo, que uma ou mais vezes já demonstrou ter uma condição moral duvidosa, será solto da prisão praticamente um vegetal, inapto a qualquer atividade lícita, e muito provavelmente incorrerá em delitos e crimes para prover seu sustento. Qual a justificativa para não se isolar uma pessoa assim da sociedade para sempre?

Não encontrei a resposta no discurso de nenhum dos que se opõem à prisão dita perpétua. Pelo contrário, apenas vejo pulhas egocêntricos posando de altruístas, bons samaritanos, como se ao defender o mal elas estivessem automaticamente promovendo o bem.

Além disso, esse limite absurdo de 30 anos dificilmente é cumprido a contento, graças à notória incompetência, ou muitas vezes canalhice, de muitos dos juízes, advogados, e demais responsáveis pelo assunto no país. Criminoso algum acaba cumprindo essa pena ainda que, muito eventualmente, possa ser condenados a ela.


Medidas emergenciais.
Pessoalmente, sou a favor da pena de morte. E vou adiante: numa situação emergencial, como a que vivemos, acredito em soluções emergenciais; por exemplo, execução pública de seqüestradores e assassinos, em plena praça da Sé, com transmissão em cadeia nacional no horário nobre. Sempre que externo tal idéia, mentes mais infantis se espantam com a “crueldade” - como se condenar alguém ao Carandiru fosse menos cruel - enquanto outros, mais pedantes, avisam-me das impossibilidades jurídicas do ato.

Até reconheço, de certa maneira, ousadia e polêmica nesta opinião, e a sua inviabilidade neste desprezível mundo bundão em que vivemos, tão alheio a mim, onde direitos dos criminosos têm mais defensores que os direitos da sociedade. Não é agradável ter de matar outros seres humanos, mas em situações extremas, como guerras, é a única solução – o mal menor. Há de se escolher entre certas vidas; algumas delas valem sim, mais do que as outras. Alguém que seqüestra outra pessoa e a metralha na frente de sua casa não pode valer o mesmo que eu, ou você leitor.

Mas existem pessoas que insistem no contrário. Pegue-se o caso dos EUA, por exemplo, onde o governo tem encontrado sistemática oposição ao tratamento que tem dispensado aos integrantes da Al-Qaeda na base de Guantanamo – vinda da imprensa, como sempre (de onde virá esse eterno cacoete esquerdista das redações?) e de organizações e entidades em sua maioria européias, como não podia deixar de ser (não chego ao extremo de dizer, como Nelson Rodrigues, que a Europa é uma burrice aparelhada de museus – mas que de vez em quando dá vontade, dá...). Não é exagero – li em algum jornal inglês uma mulher afirmar que com este tratamento hediondo, ou seja, uma roupa especial, algemas, vendas, máscaras e botas especiais que evitem o carregamento de quaisquer tipos de armas de fogo, ou explosivos, os pobres prisioneirinhos poderiam ter crises nervosas e sonhos desagradáveis.... quer dizer, os americanos prendem e retiram de circulação pessoas prontas a se explodir em nome de Alá (ou qualquer outra causa que inventem ser justa), levando consigo quem estiver ao lado, e ainda têm de tomar cuidado para não lhes causar “pesadelos”? Escapa, sinceramente, à minha compreensão.


Engajamento compulsório
Vários meios de comunicação brasileiros vêm noticiando, desde os recentes assassinatos de prefeitos no estado de São Paulo, a existência de uma certa FARB, que viria ameaçando políticos do Partido dos Trabalhadores. Esta seria uma organização de esquerda que, frustrada pela guinada que o PT vem dando para longe da esquerda radical, teria assumido a autoria destes ataques recentes. Claramente não são eles mesmo os autores destes assassinatos - me parecem muito mais um bando de gatos pingados (muitos deles alunos e dejetos universitários, aposto) se aproveitando da notoriedade que a situação vem obtendo. Mas, nos últimos dois dias, muitos órgãos de imprensa vêm noticiando, com uma certeza que escapa o bom senso, que essa tal organização seria na verdade formada por pessoas da “extrema direita” interessadas em acabar com o crescimento do PT. Quem o afirma? Os próprios políticos do partido, citados como fontes indiscutíveis imbuídas do mais nobre caráter e da mais “notória” e sacrossanta veracidade. Entre eles José Dirceu, que foi com Lula ao Planalto pedir ao Fernando Henrique uma investigação séria e uma punição severa aos assassinos do prefeito de Santo André... acho engraçado alguém que foi libertado da prisão por um seqüestrador pedir punições maiores a outro – que é isso, companheiro?

Tenho notado essa tendência cada vez mais forte e visível no jornalismo feito no Brasil de engajamento, em especial no que diz respeito à defesa de “valores” e personalidades ligadas à esquerda. O curioso é que isso ocorre simultaneamente a um crescimento nos clamores por imparcialidade – há uma insistência imensa nas faculdades de jornalismo, e mesmo nas redações, por uma suposta isenção que o jornalista deve ter, por essa tal da “imparcialidade”. Tenho uma novidade pra vocês, rapazes: essa imparcialidade NÃO existe. A partir do momento em que você se predispõe a sentar em frente de uma tela de computador e escrever sobre algo, é inevitável que você tome alguma postura. Tentando mudar, artificialmente, essa qualidade, ou falta disso, no ser humano, transformando a todos em frios robôs, dificilmente é obtida qualquer imparcialidade; ao contrário, o mais provável é que isso leve ao estado das coisas que temos por aí hoje: campanhas coordenadas (inconscientes ou não), orquestradas visando um ou mais alvos em particular, e mascaradas sob esta suposta isenção de valores – o que só acentua a intensidade desta orquestração. O que é feito em segredo é sempre mais perigoso.

Seria conveniente também lembrar que existe uma diferença muito grande entre uma matéria jornalística opinativa, crítica, e uma informativa – algo que ainda parece ser amplamente desconhecido por aqui. Peguemos por exemplo um jornal sério como o New York Times; será impossível, ou pelo menos muito difícil, encontrar alguma agenda ideológica nas suas reportagens, nas suas matérias “comuns”, por assim dizer – há ali simplesmente informação em estado bruto (algo que por sinal fazem muito, mas muito melhor do que seus counterparts tupiniquins). Já os colunistas e articulistas ficam encarregados das opiniões, críticas e ressalvas em geral. Aqui fez-se o contrário – as matérias gerais ficam inundadas de subentendidos, mensagens interlineares, enquanto os articulistas se dizem imparciais e se esforçam por demonstrar esta tão utópica e inatingível isenção. É uma inversão de valores perigosa, e assustadora – e pode incorrer no que mencionei antes, o equivalente jornalístico do terrorismo.

pois é...
"Não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito. Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um jurista interpreta a verdade."
- Jean Giraudoux

Calma lá!
"Primeira coisa a fazer: matar todos os advogados."
- Good Ol' Bill Shakespeare

Rafael Azevedo
São Paulo, 25/1/2002

 

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