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Quinta-feira, 2/1/2014
HQs sombrias, anjos e demônios
Carla Ceres

Finalmente, Natal outra vez! Hora de pedir ao Papai Noel alguns presentes que o dinheiro sozinho não possa comprar porque dependem de outras pessoas. Não, não estou me referindo à paz mundial. Melhor escolher algo mais simples, divertido e cheio de ação sombria para contrabalançar o sentimentalismo natalino, algo como filmes e histórias em quadrinhos, por exemplo.

Começando pelo cinema, eu gostaria que Frankenstein - entre anjos e demônios, novo filme sobre um de meus personagens literários favoritos, estivesse à altura de seu trailer. Baseado na graphic novel de ação e suspense I, Frankenstein, de Kevin Grevioux, o longa-metragem deve estrear em janeiro de 2014 e contará a história do monstro "Adam" duzentos anos após a morte de seu criador, o Dr. Frankenstein. Estou torcendo para que faça jus ao interesse que originou ao oferecer um trecho da história em quadrinhos animada como aperitivo aos fãs. Por enquanto, apenas o primeiro capítulo animado está na internet. Mostra demônios tentando recrutar Adam para acabar com a humanidade. Nada mal. Oremos.

Por falar em demônios, meu segundo pedido de Natal seria que a editora Abril relançasse as revistinhas infantis do Satanésio. Criação do brasileiro Ruy Perotti, Satanésio foi lançada em plena ditadura militar e durou até o número quatro, a despeito de conter boas doses de crítica social. O protagonista, que emprestava seu nome à HQ, era um demônio frustrado que veio à superfície da Terra buscar almas e não se conformava com a maldade humana. Para aumentar seu embaraço, Satanésio ganha um anjo da guarda chamado Anjoca. que só atrapalha seus planos. Talvez para acalmar a carolice da época, no quarto e último número, a revistinha passou a se chamar Satanésio e Anjoca. Não espero que a Abril volte a publicar a revista regularmente, mesmo porque o autor faleceu em 2005, mas seria bom se as crianças atuais pudessem rir com todas as historinhas do Satanésio reunidas em um único volume. Muitos pais também gostariam.

É improvável que o Satanésio volte às bancas, mesmo como edição especial, mas não custa pedir. O fundamentalismo religioso, incapaz de compreender metáforas e ironias, tem posto as garras de fora. Acontece, porém, que, por muito tempo, ouvi pais e professores afirmando, com tristeza, que o Maurício de Souza jamais publicaria uma revistinha apenas com o Louco, um dos personagens mais interessantes da turma da Mônica. Estavam enganados. A Panini já lançou três almanaques com suas historinhas surrealistas.

Tenho quase certeza de que meu terceiro pedido, uma HQ para o público adulto, vai se realizar em 2014, pois já está na hora de a editora Devir lançar a continuação de Zé Gatão - Memento Mori, uma surpreendente graphic novel de Eduardo Schloesser. A menos que haja alterações de última hora, o próximo livro deve fechar a saga e se chamará Zé Gatão - Daqui para a Eternidade.

Criador de um violento universo repleto de animais antropomórficos, o desenhista e roteirista Schloesser (sobrenome alemão, herdado de um avô francês) é brasileiro, trabalha como ilustrador e, além das HQs, criou álbuns de anatomia e cursos de desenho para várias editoras. As aventuras de Zé Gatão, um mestiço de gato e lince, foram publicadas pela primeira vez em 1997 e, sem dúvida nenhuma, não eram para crianças. A pancadaria rolava solta, acompanhada por cenas de sexo explícito que tornavam o primeiro álbum, intitulado simplesmente Zé Gatão, não recomendável nem mesmo para adolescentes.

Embora os fãs adorem esse primeiro álbum, meu favorito até agora é Memento Mori, o mais recente, ainda disponível em livrarias e no site da Devir. Trata-se de um trabalho mais maduro, com desenhos primorosos e sequências de ação de tirar o fôlego. Continua destinado aos adultos, mas as cenas de sexo não chocariam os adolescentes atuais, habituados ao nu frontal em séries televisivas como A Guerra dos Tronos. Após um prólogo em que Schloesser faz uma releitura da fábula O lobo e o cordeiro, de Esopo, a história se inicia com Zé Gatão e seus amigos (uma gata e um chimpanzé) unindo-se a um grupo de militares (cães sob o comando de um gorila) para atravessar o deserto com mais segurança, caso insetos ou lagartos rebeldes venham a atacar. O objetivo dos militares é chegar a uma região de fazendas cujos habitantes se queixam dos abusos de um grupo de mercenários liderados por um urso.

Schloesser admite a influência de A revolução dos bichos, de George Orwell, em seu trabalho, mas suaviza seu universo politicamente opressivo com bons momentos de sátira, magia, misticismo e paródias da cultura pop. Zé Gatão - Memento Mori é leitura obrigatória para quem aprecia quadrinhos. Tomara que a continuação chegue logo.

Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/

Carla Ceres
Piracicaba, 2/1/2014

 

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