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Sexta-feira, 14/2/2014
Meu beijo gay
Paulo Polzonoff Jr

Será que eu sou gay?

Eu me fiz esta pergunta numa noite quente do remoto ano de 1996 ou 1997. Na ocasião, meu melhor amigo me contou que era homossexual. Fiquei chocado, porque nunca percebi nenhum indício. E o cara era meu amigo de infância. Fazíamos tudo juntos, tínhamos os mesmos gostos. Ora, eu só podia ser gay!

Mas havia um detalhe importante: nunca senti atração por homens. Eu podia ser e sou gay o suficiente para reconhecer que Hugh Grant é um homem bonito, mas não sou gay o bastante para sentir atração por ele. No carro, no meio de uma movimentada avenida de Curitiba, olhei para meu amigo que, por ironia, era muito mais cobiçado do que eu pelas mulheres. Olhei para os traços nada afeminados dele. Homossexual, você? Como é possível?!, me perguntei, na minha terrível ingenuidade.

Ele era, eu não. Simples assim.

Os anos passaram e eu comecei a conviver mais com homossexuais, com os quais tive longas conversas sobre o assunto. O que me interessava nesta época não era responder à dúvida sobre minha sexualidade, dúvida que simplesmente não existia. O que me interessava era tentar compreender como nasce esta atração sexual por pessoas do mesmo sexo.

Mas, para ser franco, nunca entendi. E é daí, suponho, que nasce o ódio. As pessoas têm medo daquilo que não compreendem e reagem como bicho encurralado, isto é, com agressividade. O detalhe é que ninguém precisa entender o diferente para aceitá-lo. (Mas como explicar isso para um matuto?)

Foi então que, certa noite, um amigo me deu um selinho. Havíamos saído com nossas namoradas, bebemos um bocado. E nós nos gostávamos muito. Nunca soube o que o levou a me dar aquele selinho ao se despedir de mim no carro. Um homossexualismo enrustido? É possível. Mas acreditar nesta hipótese seria dar vazão a outra autodúvida: serei eu um homossexual enrustido? Tão, mas tão enrustido que não sou capaz de me aceitar?

Não era uma questão fácil de ser respondida. Culturalmente, sempre me senti muito próximo do mundo gay, pelo menos do mundo gay estereotipado. Eu choro em comédias românticas, por exemplo. E não tenho vergonha de reconhecer a beleza de um cara como Hugh Grant (já deu para sentir que rola uma paixão pelo Hugh Grant, né?). Gosto de teatro e balé clássico. Gosto de cozinhar. E por aí vai.

Além disso, eu tinha uma grave justificativa para ser um homossexual enrustido: meu pai. Ele jamais me aceitaria como homossexual. Ora, se ele mal me aceita como hétero. Meu pai é um homem que não aceitaria nem mesmo que eu usasse um brinco. Te coloco pra fora de casa!

Mas, novamente, a dúvida chegava a um beco sem saída quando eu pensava em atração sexual por homem. Com todo o respeito pelos meus amigos gays: arght! Imaginar um homem perto de mim me fecha a glote (para usar uma das expressões favoritas de outro amigo gay, ao se referir às meninas). Não sou gay. E, não, não sou um homossexual enrustido. E o selinho foi só uma demonstração de carinho de dois amigos sem preconceito. Viva com isso, se puder!

Anos mais tarde, convivi de perto com amigos homossexuais que se beijavam tranquilamente diante de mim. Confesso que era estranho de ver. Tanto é que eu não via. Simplesmente desviava o olhar. O que isso significa? Não tenho o menor preconceito contra homossexuais. Mas não gosto de vê-los se beijando. A minha reação é estúpida e irracional, eu sei. Mas não é expressão de ódio. Jamais me passou pela cabeça proibir os amigos gays de se beijarem em minha casa. Novamente, trata-se de aceitar que nem tudo está ao alcance da nossa compreensão e que não, não precisamos temer aquilo que desconhecemos.

Por isso mesmo considero o famoso beijo gay da novela um símbolo importante. Não de igualdade, como disseram uns otários. E sim de liberdade. Eu não sou igual aos meus amigos gays e não encaro um beijo homossexual do mesmo jeito que encaro um beijo heterossexual. Mas reconheço minha tacanhez no assunto e defendo com veemência o direito dos homossexuais de expressarem carinho entre si.

Com um pouco de sorte, meu filho não verá o beijo entre dois homens do mesmo modo que eu (não) vejo, assim como minha percepção é diferente da do meu pai.

O que está em jogo não é a carícia ou não, e sim o direito ao amor. Hoje, quando penso no selinho que meus amigos me deram, tenho plena certeza de que não foi uma expressão de desejo sexual, e sim de amor. E amor nunca faz mal a ninguém.

Nota do Editor:
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado em seu blog.

Paulo Polzonoff Jr
São Paulo, 14/2/2014

 

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