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Quinta-feira, 31/1/2002
Menos Guerra, Mais Sexo
Adriana Baggio



Apesar do título, dedico essa coluna aos meus pais, principalmente à minha mãe, por nunca ter feito diferença entre mim e meu irmão na hora de lavar a louça.

Quando falam em Guerra dos Sexos, não consigo deixar de lembrar daquela novela onde os personagens de Paulo Autran e Fernanda Montenegro ficavam jogando tortas um na cara do outro. Lembro que achava muito engraçado, e na época não sentia na pele as implicações mais sérias da eterna batalha entre homens e mulheres.

Para existir uma guerra é preciso haver oposição entre dois sujeitos. Não que oposição seja ruim, muito pelo contrário. Todo nosso sistema de significação é feito de oposições. Conseguimos perceber o sentido de alguma coisa pensando também no seu oposto. Acho que a guerra ocorre quando um dos sujeitos extrapola seu espaço natural dentro de um sistema de oposição. É como se, de repente, o branco do yin yang quisesse avançar no espaço ocupado pelo preto. Se isso acontecesse, o símbolo máximo de harmonia entre diferentes entraria em colapso.

Acho que o resultado da oposição não equilibrada entre homens e mulheres acabou resultando em séculos e séculos de uma situação de opressão onde as mulheres foram agredidas física, espiritual e intelectualmente. Qual a origem disso tudo? Talvez a diferença de força física. As situações de opressão sempre aconteceram quando um dos opostos se descobriu mais forte, mais poderoso que outro, e partiu para a dominação. No filme 2001, Uma Odisséia no Espaço, Stanley Kubrick ilustra bem essa percepção da capacidade de dominação quando um dos grupos de hominídeos, no auge do tédio e da fome (foi o tédio que permitiu à humanidade o desenvolvimento da capacidade de refletir e criar), descobre que pode ter sua força potencializada usando um pedaço de osso. A partir daí, o grupo a que faz parte passa a agredir o grupo rival na disputa pela comida.

Seguindo por essa linha, muitas minorias, ou grupos mais fracos fisicamente, foram agredidos e subjugados no decorrer da história. Judeus, homossexuais, negros, orientais, índios, católicos, protestantes, chineses, pobres, etc. Seja por diferenças de nacionalidade, religião, opção sexual, opção política ou faixa de renda, existe sempre uma situação onde o grupo dominante tenta dizimar ou controlar outro grupo que julga ameaçador. Nos casos citados existiu sempre um componente ameaçador, mesmo que funcionasse apenas como pretexto. E no caso da guerra entre os sexos, qual é o motivo? Em que o sexo feminino era ameaçador ao masculino? Hoje em dia pode-se até dizer besteiras como "a mulher tira mercado de trabalho do homem", mas e antes?

Para a minha geração as coisas são diferentes. Talvez em 2102 outras mulheres olhem para trás e vejam a situação de hoje como opressora. É claro que ainda existe injustiça, preconceito, violência, mas nem se compara ao que já aconteceu. Pelo menos hoje em dia as mulheres podem sair de casa sozinhas, só têm filhos se querem, só transam se querem, e não são mais arrastadas pelos cabelos. Até votam!

Antes que comece a chiadeira, gostaria de expor o outro lado da moeda. Muito do que aconteceu, ou acontece às mulheres, é culpa das próprias mulheres. Quantas mães, que quando crianças odiavam ter que ajudar nas tarefas domésticas enquanto os irmãos homens brincavam, repetiram o mesmo comportamento com as filhas mulheres, deixando bem claro, logo cedo, qual o papel de cada sexo na casa, na família, na sociedade? Quantas mães que, mesmo sentindo na pele a frustração de estarem presas a um casamento insatisfatório por falta de independência financeira, educaram suas filhas para pensar em um marido como uma espécie de fundo de investimentos? Quantas mulheres preferem atacar a parte feminina de um relacionamento extraconjugal, fechando os olhos para a responsabilidade do parceiro homem? Quantas mulheres preferem negar a violência sexual e psicológica que acontece em suas casas com suas filhas, irmãs, amigas, ao invés de encarar e denunciar?

Acredito que, nessa Guerra, o "território feminino" foi invadido, mas também deixou-se invadir. E hoje muita coisa boa do relacionamento homem/mulher é prejudicada por esse conflito. As mulheres, na sua luta por espaço, acabaram por assumir uma postura tão radical quanto os homens. Um dos maiores erros foi pregar a igualdade absoluta entre os sexos. Igualdade de direitos, igualdade perante a sociedade, perante a justiça sim, mas igualdade física, de comportamento? É ótimo ser independente, poder trocar um pneu sozinha, mas e se não der? Se a porca estiver emperrada? Se for necessário mais força física, ou mais habilidade com o macaco? Independência não é ter a força para trocar o pneu do carro, mas ter jogo de cintura para achar alguém que faça o serviço ou ligar para a assistência 24 horas do seguro.

Nessa busca ilusória pela independência dos homens, as mulheres passaram a rejeitar atitudes masculinas que só fazem bem, como a gentileza de ter a porta do carro aberta, por exemplo. Por outro lado, acabam aceitando um relacionamento frustrante com medo da cobrança social que ainda oprime as "solteiras". Nesse andar, algumas mulheres acabaram caindo numa situação para a qual talvez não estejam preparadas. Quanto mais se tornam independentes social e financeiramente, mais exigentes ficam com relação ao parceiro. Este, por sua vez, oprimido e assustado, volta-se cada vez mais para mulheres dependentes, com as quais ele ainda sabe lidar. A mulher que passa a ter outras prioridades fora o casamento, como a profissão ou outro projeto de vida, acaba tendo que abrir mão do parceiro que não reconhece, ou não legitima suas aspirações. E se antes essa escolha poderia acontecer por uma imposição feminista, hoje ela é natural. O parceiro que não consegue entender as necessidades e as motivações de sua companheira deixa de ter os atributos que fazem dele um bom companheiro. Nesse nível, o rompimento acaba sendo por pura desilusão, e não por orgulho. No entanto, não deixa de ser sofrido ou traumático.

O que sempre me pergunto é porque não pode haver um equilíbrio. Como se o yin e o yang voltassem cada um ao seu lugar, respeitando as diferenças e a oposição natural e saudável que existe nessa relação. Os homens podem ser homens, as mulheres podem ser mulheres, e todo mundo pode tirar proveito dessa diferença. Aliás, é justamente a diferença entre nós que faz com que homens continuem querendo mulheres e mulheres querendo homens (na maioria das vezes...). Se conseguirmos chegar num acordo, a Guerra dos Sexos pode ser aquele pastelão onde um atira torta no outro. E no fim, quem sabe, todo aquele chantilly espalhado possa virar um ótimo afrodisíaco...

Adriana Baggio
Curitiba, 31/1/2002

 

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