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Sexta-feira, 28/3/2014
Soluções geniais para a escola e a educação
Ana Elisa Ribeiro

Fico encafifada com aquela turma que acha vantagem colocar filho em escola privada. O negócio mesmo é que estamos no mato sem cachorro e sem professor, em qualquer modalidade de educação, cá entre nós. Mas inventaram aí que educação privada é uma beleza e a gente segue acreditando. É tudo questão de fé, não de fato. Mas vamos lá ver as listinhas de resultados de exames isto e aquilo. Seguem valendo como argumento pra dizer que a escola tal é boa e a outra, o contrário. Ah, vá. Veste-se um santo para deixar o outro nuzinho em pelo. E assim vamos caminhando, capengando geral.

Só pra começar - e contrariar -, educação é um lance bem amplo, comprido e estofado. Vem de berço, vem de escola, vem de família, vem de bairro, amigos e inimigos. Educação é a quantidade de vezes que você foi ao cinema e leu um livro, tanto quanto o tanto de xis que você marcou nas provas. Educação é lindo. Acontece até sem querer, mas, querendo, fica bem mais legal. A educação é um direito. Se for a básica então, aquela do fundamental ao médio, aí é que deveria mesmo ser direito. Mas não é. Assim como o transporte público - que é privado -, a educação, no Brasil, é um favor. Um grande favor pelo qual você precisa pagar. E vamos lá.

Dia desses, rolou um episódio que misturava várias coisas controversas na escola do meu filho: crianças, novas tecnologias e banheiros. Um guri, a certa altura do horário escolar, saiu muito ouriçado do banheiro masculino, dizendo que foi flagrado por uma câmera de celular enquanto fazia qualquer coisa necessária em um dos vasos sanitários. Ninguém viu nada direito. Nem a vítima. O piá só dizia ter visto uma mão por cima da porta do cubículo e aquele barulhinho de fotografia. Ou seria filme? E agora? Pra onde vai essa imagem? Mas não dava pra identificar se a mão era de outra criança, de adulto, de homem ou mulher. Só dava pra ficar bem assustado.

A história foi parar no ouvido dos pais do garoto, do diretor geral e da cidade inteira. Havia grupos de pais no Facebook pra discutir - inflamadamente - a questão; havia jornalistas produzindo matérias acusatórias e julgamentosas nos jornais da capital mineira. Havia de tudo. A mãe, compreensivelmente alterada, narrava - inclusive nas redes sociais - o absurdo do episódio e denunciava o diretor por negligência e assemelhados. Parece que, ao procurar o dirigente da escola para dar conta do caso, ele teria dito a ela que "não posso fazer nada". Aí a raiva cresce e aparece. Todo mundo revoltado com o episódio.

Bem, mas de quem era aquela mão? Haveria como descobrir? O que o diretor e a escola realmente poderiam fazer? Como apurar o caso? Seguiu-se a isso uma discussão intensa sobre câmeras de segurança, inclusive nos banheiros; pedofilia; domesticação; proibição de variada natureza. Fartas e engenhosas discussões, inflamadas, apaixonadas, porque todo mundo no mundo é educador, quando a coisa aperta.

Mas o que mais me impressionou mesmo foi uma das soluções geniais para o caso. Geralmente, elas são dadas por um pai ou uma mãe. Geralmente. Sou dessa mesma categoria, então não vou produzir prova contra mim, mas ó, te contar... Uma pulsante e antenada cabeça sugeriu a proibição absoluta da entrada de aparelhos de telefonia móvel dentro da escola, proibição estendida a professores e funcionários - o diretor, também. Cá comigo, no papel de cidadã e professora que sou, senti um engulhozinho de nojo. Como proibir esse dispositivo onipresente na escola? Como operacionalizar isso, minha gente? E como assim eu, professora (não dessa escola, frise-se), seria proibida de entrar lá com meu equipamento pessoal? E outra: logo eu, que estudo e pesquiso letramentos digitais, como poderia me animar com uma ideia dessas? Tanta gente boa estudando formas de transformar o dispositivo em motivo e plataforma de aprendizagem, e a turma ali pensando em fiscais e detectores de metais. Afe!, como dizemos na internet.

Mais um capítulo se seguiu. O lance das câmeras nos corredores parecia ter a dianteira nas preferências das pessoas. Mas a proibição dos telefones ainda pairava. Este país tem mais aparelhos celulares do que pessoas! Olhem aí em algum dado do IBGE ou coisa assim. É verdade, amigos. E a gente ali, considerando uma ideia dessas. Mas a bela imagem que me veio foi bem outra, a de um outro sistema que não funciona: o carcerário. Tanto pela arquitetura quanto pelos moldes, a escola (e aí é qualquer uma, sinto dizer) ia ficar mais próxima ainda de se parecer com um presídio. Isso não é ideia minha não. Leia-se o Michel Foucault pra a gente pensar mais. Mas não é? Daí que eu vi aquela cena de tráfico de celular. Gente jogando aparelho por cima do muro, trazendo dentro do lanche, no bolo, no suco, escondido na vagina. Ai, que genial!

Estão me achando muito sarcástica? Tá pesado. Tá bom, vou maneirar no tom. Mas tem jeito? Que fim teve isso? Bom, outro dia, recebi o bilhete oficial informando sobre a instalação das câmeras. Vá lá. Mas sabem o que me deixou mais chateada (#xatiada, como dizemos na net)? Foi a escola não ter chamado a comunidade pra um papo-cabeça sobre o que faltou ali: ética. Ninguém falou nisso. Não recebi um bilhete chamando pra uma rodada com a moçadinha pra falar desse tipo de situação... dos riscos, da pedofilia, da invasão de privacidade, das fronteiras confusas entre público e privado, sobre desrespeito, aliás, coisa muito mais antiga do que celular e fotografia. Foi disso, pois, que eu senti falta. Senti falta de as pessoas pensarem na humanidade da situação. Quis que o foco saísse das tecnologias e das máquinas, só um pouquinho (mentira, um poucão) e fosse para o real protagonista da questão: as pessoas.

Mas ora, estamos acostumadíssimos com isso, né? É muito mais rápido e fácil comprar e instalar câmeras do que falar de respeito. Muito mais ágil orçar detector de metais do que educar as pessoas, mostrar pra elas que continua existindo certo e errado, sim e não. As coisas não podem estar tão misturadas assim. Mas ó, que tempão seria gasto com isso! Ou ainda pior: as pessoas, mesmo nas escolas, não estão formadas e preparadas para tratar de assuntos espinhosos. Continua sendo mais prático ensinar a decorar e a apertar botão, até pra tirar foto do guri fazendo xixi. Muito mais legal dar equipamento do que qualificar professor. Pra quê, né não?

Assim, mas não vou tirar meu filho da escola não. Nem precisam se dar o trabalho de sugerir isso. Vamos lá, adelante, como diria um amigo meu, doutor estudado. Sabem por quê: porque suspeito de que não adiante nada mudar meu piá de escola. Nadinha. Ainda estamos por descobrir a educação escolar e as novas tecnologias. Talvez, na próxima passagem da caravela. Bom, ou não. A parte que a escola não dá conta de fazer, eu pego e faço em casa. Meu filho, eu garanto, ouve sempre: senta aqui comigo, vamos conversar sobre isso? Talvez não garanta nada. Mas o talvez, por estas bandas, já me parece um benefício.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 28/3/2014

 

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