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Segunda-feira, 28/4/2014 Por que o mundo existe?, de Jim Holt Ricardo de Mattos Costumamos dividir os questionadores em duas classes não hierárquicas. A primeira apenas questiona e vive numa eterna promenade intelectual, acenando ocasionalmente para Sísifo. A segunda possui um ponto de partida e vai de estação em estação, cada interrogação expressando seu desejo de saber mais e melhor. A primeira classe não aceita simplesmente os caminhos já percorridos, mas periga andar em círculo. A segunda, si afina-se em demasia na trilha escolhida, deve cuidar para não transformar escolha em bitola. Há a estrada, mas há também a paisagem em volta. Foram as perguntas que nos prenderam ao livro do jornalista e escritor norte-americano Jim Holt. Vivemos fase em que preferimos a companhia de quem pergunta e desconfiamos de quem dá respostas. Kardec foi um grande perguntador e Frankl, em suas Memórias menciona ocasião que percebeu ser melhor deixar de lado o que sabia para melhor ouvir. Karl Jaspers chega mesmo a recomendar esta postura nas paginas iniciais de sua monumental Psicopatologia Geral. O espírito humano ainda precisa lidar com limites inerentes ao corpo que habita e à época em que vive, mas a opção deliberada do indivíduo em entregar-se ao instinto conservativo identificado por Bachelard afigura-se-nos verdadeiro suicídio intelectual. Houve momento em que aos padres católicos era permitido ler os livros vetados pelo Index, com a finalidade de melhor combatê-los. Si participamos deste tipo de velhacaria em alguma encarnação, ignoramos. De qualquer forma, entrar em contato com aquilo que nos confronta ou que pede maiores explicações a respeito dos ideais que abraçamos representa-nos um exercício de crescimento espiritual. Por que o mundo existe? - Um mistério existencial vem da ótima safra de livros do ano passado. Seu ponto de partida é a questão encontrada por Holt no livro Introdução à Metafísica de Martin Heidegger: por que existe algo e não apenas o nada? Mostra-nos Holt que esta pergunta, que não tem dez palavras - e que, na verdade, remonta a Leibniz -, originou páginas e mais páginas de artigos e livros, bem como debates e polêmicas. As respostas, fornecidas por teólogos, filósofos, físicos, astrônomos e matemáticos entre outros, variam da inexistência do Nada à conclusão de que nada existe. De permeio, o pensamento humano numa variedade e profundidade tão grande que o talento de Holt revela-se ao não deixar que o diálogo entre as posturas transforme-se em galimatias. A simples opção pelo artigo "o" antes de "nada" cria a distinção conceitual entre um substantivo - nada - e uma alternativa ontológica - o nada. A maior parte da sequência dos capítulos conta com interlúdios, textos avulsos e mais leves que refrigeram o motor antes de seguir viagem. Como articulista, Holt dedica-se a escrever artigos sobre matemática teórica para o New York Times e para a The New Yorker. Não nos consideramos uma nulidade em Matemática apenas porque conhecemos as quatro operações básicas. A prova dos nove, por sua vez, é um mistério intransponível desde quarta-série primária. Outro destes mistérios é o jogo de truco. O autor, evidentemente compreendendo que poderia ser lido por especialistas e por toupeiras, consegue fazer-se inteligível a ambos, temperando tudo com humor elegante. Há, sim, trechos em que o avanço da leitura requer vagar e voltas. O terceiro capítulo, em que se discorre sobre a história do Nada, é um destes casos. Todavia, superável e sem prejuízo ao entendimento global. O leitor não precisa deixar o livro experto em filosofia, matemática, teologia e física, mas terá uma grande oportunidade de verificar que as palavras e conceitos por elas representados possuem amplitude muitas vezes inimaginável pelo senso comum. Um destes conceitos é o de identidade ou autoidentidade, "relação que toda e qualquer coisa tem consigo mesma e com nenhuma outra". Holt não deixa de expressá-lo matematicamente recorrendo à fórmula: para cada x, x = x. Transponha-a para outros campos do saber e acender-se-á o rastilho para muitas e diversas especulações e observações a respeito da existência, do autoconhecimento, do ser e do não ser, do sentido, dos papéis e das máscaras, das sombras, etc. Acredita, leitor: não é algo superficial saber até que ponto "x" é realmente igual a "x". Kardec afirma que para todo efeito inteligente há uma causa inteligente. Não há como fazer uma leitura materialista da assertiva sem cair assim num panteísmo extemporâneo e confuso, ou em imbróglios teóricos. Conforme mostra Jim Holt, há quem o faça, como é o caso de matemático platônico cuja teoria faz a conexão entre um mundo físico, um mundo matemático e um mundo mental. Antes, porém, que alguém nos acuse de intercalar convicções pessoais à apreciação do livro de Holt - embora escrevamos para um veículo que não nos cobre neutralidade - observamos que o tema das experiências qualitativas - ou qualia - e outros a ela relacionados, como a subjetividade e a consciência, são gradativamente abordados a partir do "interlúdio" intitulado It from bit, culminando no capítulo O ego: eu realmente existo?. Holt observa que mesmo alguns pensadores admitindo ad argumentandum Deus como a causa de todas as coisas, ainda insistem na pergunta sobre quem O teria criado. Neste ponto, sim, cremos que se trata de opção pelo debate circular. Efemérides 2014 é ano rico de datas "redondas". Quarenta anos de Julio Daio Borges. Cinquenta anos do golpe militar. Cem anos da primeira guerra mundial, do Jeca Tatu e do Tarzan. 150 anos do Evangelho Segundo o Espiritismo. Duzentos anos de desencarne do Marquês de Sade e dois mil do desencarne do imperador Augustus. Há outras. Efemérides - Conclusão Há vinte anos desencarnou Charles Bukowski. Embora ainda não tenhamos sentido vocação especial para seus livros, gostamos de uma frase que ele deixou: "O problema com o mundo é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvida, enquanto os estúpidos estão cheios de confiança". Ricardo de Mattos |
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