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Quarta-feira, 8/10/2014
O medo como tática em disputa eleitoral
Humberto Pereira da Silva

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Em 1651 o filósofo inglês Thomas Hobbes publicou o Leviatã. O livro, que se tornou referência obrigatória no contexto de legitimação do Estado Absolutista na Europa, gerou e gera infindas discussões. Seu autor defende a ideia de um estado forte, com o poder centralizado na figura do monarca.

Mas o Estado forte defendido por Hobbes resultaria da concordância dos súditos. Expostos a toda sorte de violência, numa eterna luta de todos contra todos, eles se submeteriam por meio de um contrato a um único homem, que garantiria a segurança de todos.

A ideia básica que permeia o pensamento de Hobbes é o medo. Este seria resultado da situação em que cada homem é um lobo para o outro. Isso, por sua vez, colocaria todos diante de situação de violência sem fim: uma guerra de todos contra todos.

Em certo aspecto é descabido pensar a política hoje, especificamente no Brasil, a partir do estigma do medo, concentrando o poder de decisão numa pessoa, que teria o dever de garantir a segurança coletiva. Claro, em certo aspecto, pois a atemorização não deixa de ser um elemento pregnante em nossa política, mesmo que o contexto no qual vivemos seja tão distinto do que Hobbes viveu.

Ora, se Hobbes hoje não seria exatamente um nome a ser evocado quando tratamos de política, não convém tampouco que um dos temas capitais de seu pensamento, o medo, seja subestimado. Tanto a fim de que ponderemos sobre o que está em jogo numa disputa eleitoral, como, com a eleição presidencial deste ano, para realçarmos que um grande pensador nunca perde a atualidade. Daí, em grande parte, a força de seu pensamento.

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Uma das discussões mais frequentes da disputa eleitoral deste ano é a de que o partido que está no poder nos últimos doze anos, o PT, faz uso de procedimentos de atemorização para mantê-lo. Para a oposição, a candidata à reeleição pelo partido, Dilma Rousseff, faz propaganda pautada pelo medo, ao acusar seus concorrentes de colocar em risco conquistas sociais de seu governo, como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida etc.

Os beneficiários destes programas, intimidados, votariam com a pressão de eventual perda. A ameaça de perda de benefícios, de que uma vitória da oposição traria insegurança, tem sido uma constante em praticamente todos os debates eleitorais.

No contexto de disputa eleitoral, o PT e Dilma Rousseff são acusados de fazer uma campanha suja, renhida, sórdida, que ao fim e ao cabo, usaria dos meios mais espúrios para vencer a eleição. Em tom de exagero, há quem afirme ser esta a eleição de nível mais baixo que já houve no país.

Bem entendido, a temperatura de uma eleição desperta paixões. Muita coisa é dita sem o devido cuidado, sem as devidas considerações que permitem entender o porquê de uma disputa que joga com interesses e matizes ideológicos conflitantes.

A esse respeito, não se pode esquecer uma dado importante, quando se fala do agitado clima político atual: as manifestações de junho do ano passado anteciparam o clima de animosidade que contamina o sentimento de necessidade de mudança pelas urnas.

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As manifestações do ano passado, que expressaram a insatisfação com a forma de condução da política, dão a senha para se considerar as razões de uma disputa pautada pelo medo. Mas, convenhamos, nisso nada de novo em nossa política. O medo incutido pelo PT, hoje, não difere do de 1989, na eleição vencida por Fernando Collor. Assim como não difere do das eleições presidenciais que ocorreram entre 1945 e 1960.

Sem estas lembranças históricas, as discussões se confinam ao mero clima de exaltação de paixões. Agora, a questão é: o medo, a intimidação de eleitores, é um elemento a ser simplesmente ignorado numa disputa eleitoral no Brasil?

Sim, ele não é um ingrediente necessário. Ou não deveria sê-lo, se pensarmos numa sociedade coesa, sem as disparidades sociais da brasileira, num momento em que mudar, para muitos, é uma situação de risco.

O tema do medo traz à baila a relação delicada entre ética e política. Não conviria, convenhamos, como tática a ser empregada numa eleição, digamos, limpa. Acontece que a política, o poder, não é exatamente um exercício entre crianças bem educadas. Basta olharmos nossa própria história. Com exceção em certa medida ao período que teve início com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, que se deu num clima de razoável normalidade, as eleições no Brasil foram invariavelmente tensas, violentas, por baixo do verniz de nossa cordialidade.

Isso em grande parte porque os contrastes sociais no Brasil são maiores do que conviria a um papel do bom mocismo. Para o bem ou para o mal, o que acontece nesta eleição reflete como quem está no poder, com um projeto político definido programaticamente por trás, faz de tudo para mantê-lo.

Em 2002 o PT alçou ao poder com seu projeto de país bem definido na "Carta ao povo brasileiro". E nesta eleição, que coloca em risco esse projeto, não mede esforços e joga com o medo. Mas, alguém imagina que seria diferente se não fosse o PT? Assim, a era Vargas durou quinze anos e a dos militares vinte e um. O medo, então, é tão somente um ingrediente num jogo em que desconsiderá-lo tem seu preço.

Ao adotar a tática do medo, Dilma Rousseff tem consciência de que se assim não o fizer não sairá vencedora da eleição. Sim, Lula venceu José Serra em 2002 com o slogan "Lulinha paz e amor". Sim, uma das maiores fraquezas políticas de FHC foi não ter controle do PSDB e assim emplacado um sucessor com seu aval.

Ainda, Serra é o mesmo que dias atrás disse que o "PSDB não quer colocar fogo no Brasil...". Mas em evidente contraste com essa postura de Serra, Dilma, que na abertura da Copa do Mundo foi hostilizada por segmentos da elite paulistana fiéis ao PSDB, respondeu: "eu perdoo, mas não esqueço...".

Disputa eleitoral é uma arena. Se se quiser de outro modo: nas palavras de Carl von Clausewitz, "a guerra é uma extensão da política por outros meios..."

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Só um esclarecimento talvez oportuno: tática é qualquer elemento componente de uma estratégia; assim, enquanto estratégia busca uma visão "macro", de conjunto, portanto, tática ocupa-se de visão "micro", e assim sendo particular em relação ao todo. O medo, nesse sentido, é tão somente uma tática de campanha eleitoral.

Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 8/10/2014

 

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