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Sexta-feira, 24/10/2014
O PSDB e o ensino superior
Gian Danton

A grande possibilidade de Aécio Neves ser eleito presidente nos faz imaginar como seria sua gestão e uma boa maneira de fazer isso é relembrar como foram os oito anos de governo FHC uma vez que os dois são do mesmo partido e não parece haver nada de muito diferente na forma como os dois pensam a condução do país. Aqui falarei um pouco da educação superior, uma área em que atuo há quinze anos.

O governo de Fernando Henrique Cardoso ficou famoso por implantar uma política de estado mínimo (em que os investimentos eram reduzidos ao mínimo, restando ao estado muito mais a função de fiscalizador do que de fornecedor). Essa política esteve aliada a uma altíssima carga tributária, de modo que costumo chamá-la de "estado mínimo, imposto máximo".

Para se ter uma ideia, no final do governo FHC, o cidadão pagava 40,50% de imposto sobre o detergente. Se decidisse levar sabão em barra, irá pagar os mesmos 40,50%. Se precisasse reformar sua casa, pagaria 39,50% de imposto sobre o saco de cimento. Se o dinheiro desse para uma pintura, o dito cidadão iria desembolsar 45,77% do valor apenas para pagar impostos sobre a tinta.

O cidadão poderia desistir da reforma e decidir tomar uma água com açúcar para se acalmar, e, então, descobriria que pagava 40,50% de imposto sobre o quilo do açúcar. Se, em vez de água com açúcar, resolvesse beber um refrigerante, pagaria 47% de imposto. Para acompanhar, um biscoito, com 38,50% de imposto. Se por um lado a carga tributária era alta (tão alta quanto hoje), por outro lado, em consonância com a ideia do estado mínimo, os investimentos em educação superior eram mínimos. Nos oito anos de governo FHC, nas universidades federais que conheço, não se fez concurso e não se abriu novos cursos. Para compensar a necessidade do aumento de vagas, foi estimulada a criação de faculdades particulares, o que provocou um verdadeiro boom no setor. Cidades que só tinham uma faculdade particular antes de FHC passaram a ter 16.

Ao governo restava a função fiscalizadora, para garantir a qualidade do ensino ministrado, mas há de se perguntar até que ponto essa função era exercida.

Até a era FHC, faculdades particulares eram sinônimo de qualidade, bons professores e salários muitas vezes mais altos que os das federais. Instituições como a Universidade Metodista e a PUC eram exemplo disso.

A partir do estímulo à criação de novas faculdades, surgiram instituições de ensino superior com 200 alunos por sala, cursos que funcionavam de madrugada, faculdades em que os professores não tinham contrato de trabalho ou carteira assinada, ministrando apenas módulos de uma semana e depois sendo dispensados.

Havia casos em que faculdades alugavam livros de livrarias para montar a biblioteca para recebimento da comissão, livros que eram imediatamente devolvidos logo após a visita. Em outros casos, alugava-se laboratórios inteiros, que eram imediatamente devolvidos aos seus donos após a visita da comissão. Havia casos em que se alugava currículos: os professores eram pagos apenas para receber as comissões do MEC, não se tornando realmente contratados da instituição.

Outras instituições contratavam grande quantidade de mestres e doutores no período de recebimento de comissões de reconhecimento, professores que eram colocados em todos os cursos em reconhecimento, sendo demitidos logo após o reconhecimento para a contratação de graduados e especialistas (cujos salários eram muito mais baixos).

O surgimento de tantas instituições provocou uma guerra de preços que certamente prejudicou as faculdades particulares sérias, já que no Brasil o consumidor é levado a escolher muito mais pelo preço do que pela qualidade. Como uma faculdade que pagava bons valores aos seus professores e mantinha um bom quadro docente, bibliotecas e laboratórios bem estruturados, poderia concorrer com uma faculdade de preço baixo, em que se economizava em salários de professores (soube de um coordenador de curso de graduação que ganhava menos do que um professor de ensino primário), bibliotecas e laboratórios?

O resultado disso temos visto por aí: pessoas com nível superior que não sabem nem mesmo escrever um texto compreensível. Aqui vale um parêntese: na época conheci um rapaz que um dia me disse, orgulhoso, que havia se matriculado no curso de história numa dessas faculdades de preço baixo, que contratam professores apenas para uma semana de aula. Convivi com ele durante os quatro anos do curso e nunca percebi nenhuma mudança, nem mesmo de capacidade crítica de análise dos acontecimentos contemporâneos ou de contextualização histórica dos acontecimentos passados. Nem mesmo a forma de se expressar mudou minimamente. Se é verdade que aprender significa modificar-se, aparentemente para ele não houve qualquer aprendizado.

Se Aécio for eleito, será certo que ele, em consonância com a política do estado mínimo, irá diminuir os investimentos nas universidades federais. Resta saber qual será sua atitude diante da função fiscalizadora do estado com relação às faculdades particulares. A falta de investimentos nas federais certamente levará a uma diminuição e vagas e queda no nível médio de ensino do brasileiro, que precisará ser compensada. Se mantiver ou aumentar o rigor atual das fiscalizações, será impossível compensar a estagnação de vagas das universidades publicas com um aumento de vagas nas faculdades particulares. Seria a solução abdicar totalmente da função fiscalizadora do estado, deixando totalmente livre a abertura de cursos superiores? Como Aécio irá resolver esse dilema é uma questão que se coloca.

Gian Danton
Goiânia, 24/10/2014

 

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