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Quinta-feira, 14/2/2002
De Auschwitz a ClubMed
Lisandro Gaertner

Pode parecer ressentimento, e, de certa forma, é, mas estudar aonde estudei na minha adolescência foi a experiência mais angustiante, assustadora e, paradoxalmente, hiper protegida que qualquer um poderia ter. Era como ser uma celebridade infantil... sem a fama e a fortuna.

E o pior de tudo foi passar pela puberdade, uma época já tão difícil, num colégio sem uma única mulher da minha idade. Tudo o que eu e meus amigos tínhamos à nossa disposição eram umas professoras meio acabadas, que não sobreviviam a dois minutos de delírios eróticos, e as boates da Praça Mauá, que nos davam a verdadeira dimensão do nosso desespero.

Foi barra. E das pesadas. A comparação é esdrúxula, mas me lembro da experiência como um quartel, um campo de prisioneiros, em regime de semi internato, especializado em sofrimento moral e psíquico, e não físico. Com estudos forçados, horários rígidos e um jeito todo nazista de ser. Era uma espécie de Dachau moderna. Com o selo de ISO9000.

Um dia, lendo o jornal de domingo, descubro que o causador de todo esse mal, nosso velho reitor, devido à idade, havia se aposentado, e o que assumiu o cargo tinha novidades: VAI COLOCAR MULHERES NO COLÉGIO!

Isso era tudo o que eu sempre quis... quando estudava lá. Agora, a idéia não me parece tão boa. Podem me crucificar, mas eu não quero que isso aconteça. Seria um desrespeito por tudo o que eu e tantos outros condenados passamos: a solidão, a tristeza e o estigma, que até hoje nos persegue. O estigma é o pior. O estigma de ter sido e continuar a ser um beneditino.

Por outro lado, eu penso nos garotos que ainda estudam lá. Condenados a nerdice absoluta, como eu, ansiando pela entrada de uma tropa de meninas bonitas com vestidos esvoaçantes e cabelos longos, olhando com desdém e desejo para aqueles prisioneiros, que nem direito a visita íntima possuem. Não dá, eu não posso ser egoísta. Me levantar contra essa mudança é simplesmente absurdo e mesquinho.

Tenho que me conformar, a minha vida virou passado, daqueles de livro de história, daqueles que ninguém acredita mais.

Que venham, então, as meninas para transformar a imagem daquele lugar e colocar um pouco mais de cor no nosso antigo campo de concentração.

Quem diria que eu estaria vivo para ver Auschwitz se transformar numa filial do ClubMed.

Lisandro Gaertner
Rio de Janeiro, 14/2/2002

 

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