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Quinta-feira, 5/2/2015
Viagem aos baixos do Viaduto do Chá
Elisa Andrade Buzzo

Quantas vezes me confundi com a graciosidade ornamental art nouveau do Viaduto Santa Ifigênia, achando que, este sim, seria o do Chá, com nome poético de infusão. Não, o Viaduto do Chá tem uma beleza austera de concreto armado; e até hoje guarda em suas linhas simples e futuristas um desejo de modernização, de metrópole arrojada que aprendi a contemplar não de seu alto, mas aos seus pés. Como se pudesse, talvez, me refrescar nas águas do Anhangabaú.

Como se pudesse estar em muitos tempos remotos, contemplando a paisagem de chácaras, casario, plantações de chá, afinal, os morros, espaços abertos a se perder fora dos limites de fotografias em preto e branco. Espaços vastos que foram se urbanizando, se "modernizando", tornando necessária uma junção do centro velho ao novo, este viaduto.

Sou mais uma observadora dentre tantos que por aqui transitaram e morreram, pois este também foi o viaduto da morte, que também inspirou cenas do cinema nacional (como no longa Alma corsária, onde um suicida é dissuadido de seus intentos pelo poeta Torres). E, descendo as escadarias do Anhangabaú desbravo as pernas fortes deste símbolo de ligação entre o presente e o passado da cidade.

Ah, no enorme abaulado dos baixos do viaduto está um caminhão-pipa da prefeitura, e já estão de pé passando vassouras imersas naquela água jorrada aqueles que lá embaixo rente às paredes duras moram ou vivem, pertences e cachorros, tão perto que estão da história que nela ficaram agarrados, distorcidos e apenas dela passaram a viver. História esdrúxula, de uma vila colonial indígena sendo retocada aos moldes da arquitetura francesa e inglesa, adquirindo vida própria e pulsante.

Então, vou visitar os seus magníficos baixos, os subterrâneos dos anos 1940, parte deles consistindo em órgãos da prefeitura, o Centro de Referência da Cidadania do Idoso (antigo restaurante da Liga das Senhoras Católicas), galerias, como a Formosa, sede há até poucos anos da Escola Municipal de Bailado. Espaços apropriados por alguns grupos, mas esquecidos pela maioria, que trafega bordejando viaduto acima.

Um gosto misterioso de passado se suspende sutilmente à toda presentificação que este verão insuportável lhe dá. E minha vista se anuvia com tantos seguranças que guardam aqueles espaços velhos, aqueles baixos com tantas ou mais histórias do que seus "altos". Tudo cheira à degradação, um original mal conservado, com camadas de pisos novos, mas quebrados, talvez porque o velho lá seja tão imperativo que estoura as reformas mais atuais tal qual uma raiz medonha, pois nada será como antes, como a matriz primeira daquela estrutura dura, feita para a eternidade.

Passo, passos, aqui nos baixos do Viaduto do Chá s/nš, onde há um fundo corredor recortado por suas salas de balé vazias, um gradeado da Galeria Formosa onde se vislumbra um ajardinado atemporal, os amplos vestiários intactos no tempo. Que significado agora tudo isto tem? Sei que é um labirinto o que há por debaixo daquela ponte, e quem por ali entra ficará com a memória incutida de sua estrutura estranha, encarcerada, que em cada passante irrompe.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 5/2/2015

 

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