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Quinta-feira, 2/7/2015
O cinema de Weerasethakul
Guilherme Carvalhal

É bastante complexo avaliar o trabalho do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul. Autor de um cinema de difícil compreensão, em muitos aspectos remetendo ao estilo quase incompreensível de Godard, ele se tornou premiado com diversas de suas obras, principalmente Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, ganhador da Palma de Ouro de 2010.

O diretor bebe de muitas fontes. Seu cinema tem um estilo próprio com uma fotografia bastante peculiar e uma maneira quase bucólica de contar histórias. Ele utiliza em seus filmes desde uma pegada de surrealismo (caso de Tio Bonmee), de um estilo mais tradicional de contar histórias (Síndromes e um Século, 2006), e até mesmo de minimalismo, como em Mal do Século(2004), em que boa parte do filme se passa sem diálogos, contando a história apenas pelo visual.

A multiplicidade técnica de Weerasethakul o coloca como um dos principais realizadores de filme da atualidade. Seu estilo se caracteriza pela mistura de dramas pessoais com temas rurais, aliados a boas doses da cultura de seu país e estilos narrativos diferenciados.

Avaliar seu cinema ao longo dos anos mostra muito a evolução do diretor. Em Eternamente Sua (2002) há um romance com características peculiares. Min é um rapaz diagnosticado com uma doença que segue ao interior para se tratar. Nessa viagem ele é acompanhado por Roong e Orn, que estão em contato constante com ele. Esse trabalho é bastante simples, tanto em enredo como em filmagem. Uma história de amor, que mesmo carregada, é apenas um prenúncio do desenvolvimento do diretor.

Em 2004 ele lançou Mal dos Trópicos, um filme que coloca o dedo na ferida e facilmente pode ser considerado seu melhor filme. O longa se divide em duas partes. Na primeira há uma narrativa rural sobre Keng e Tong, dois rapazes namorados. Eles passam por situações simples do dia, mostrando como é sua relação com a cidade e com as pessoas. Um mero aperitivo para a virada do filme na segunda parte.

Quando Tong desaparece na floresta em meio a uma lenda sobre homens que se transformam em monstros, Keng parte em uma jornada em busca de localizá-lo. Sobre o filme com altas cores (uma característica do diretor) cai uma atmosfera completamente sombria da madrugada, em uma narrativa diferenciada, tangenciada pelas percepções a respeito dos sentimentos e pensamentos de Keng enquanto procura seu amado.

Um ponto interessante nesse filme é que Tong fala sobre seu tio Bonmee e sua capacidade de relembrar suas vidas passadas. Isso mostra duas coisas: que Weerasethakul é um narrador construindo um universo único dentro de suas obras, em que os filmes se correlacionam, e que desde estes tempos ele já planejava produzir seu mais premiado filme.

Síndromes e um Século é uma obra de cunho bastante pessoal, remetendo a lembranças de infância do diretor. A história se passa em um hospital da Tailândia, onde médicos e demais profissionais de saúde convivem com o choque de realidade entre moderno e antigo (situação tão comum nas artes brasileiras; no cinema Bye Bye Brasil é um marco). Um dos momentos principais é quando um monge budista é atendido e o conflito entre a tradição religiosa e a técnica científica se chocam.

O curta Uma Carta Para o Tio Boonmee (2009) serve como prólogo para a obra que será lançada no ano seguinte. É um relato quase pessoal, em que ele anuncia que pretende filmar a vida de seu tio, em uma narrativa em primeira pessoa. Não é por si só um grande filme, mas dentro do conjunto da obra é de alto significado.

Em 2010 veio o arrebatador (e divisor de opiniões) Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas. Aqui, o personagem principal se encontra adoentado com problemas renais e se prepara para encarar a própria morte. Suas vidas passadas vem à tona, em uma avalanche de significados vastos, que para muitos pode ser brilhante e para outros mera bobagem. Boonme se vê no corpo de uma princesa e o fantasma de sua esposa morta aparece, acompanhada de seu filho transmutado em uma espécie de macaco. O final em aberto é plenamente discutível e dá origem a diversos significados.

Weerasethakul passa batido por qualquer tipo de formalismo artístico. Seu estilo é bastante pessoal e repleto de simbologias que deixam o espectador diante de suas próprias opiniões. Pequenos detalhes, como um monge budista de All Star, dão sentido diferenciado ao que ele apresenta nas telas. Dificilmente se pode falar objetivamente de sua arte, então o melhor a fazer é assistir e tirar as próprias conclusões.

Guilherme Carvalhal
Itaperuna, 2/7/2015

 

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