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Quinta-feira, 3/9/2015
Mais uma crise no jornalismo brasileiro
Julio Daio Borges

"Passaralho" no Globo. 400 demitidos. Li as publicações do Pedro Doria, da Manya Millen (e da filha dela), do Marcelo Melo (onde o Eduardo Fleury me pediu comentários), da Lucia Guimarães e da Renata D'Elia. Sei que há muitas outras. Mas já bastaram para me levar a dizer o que penso.

Elaborei a uma lista de dez pontos que vou tentar discutir ao longo do texto (senta que lá vem "textão"): O que vai acontecer com as publicações? E com os jornalistas? O que vai acontecer com a audiência (vai sobrar alguma)? Alguém voltará a *pagar* por informação? (Se sim, por qual *tipo* de informação?) Quais as consequências disso para o (bom) jornalismo? A informação de qualidade vai "morrer"? (Se não, por quê?) Adianta remar contra a maré? Conselhos para quem quer começar. Conselhos para quem quer *sobreviver*. Até que ponto minhas opiniões são "neutras"...

Começo pelo final: minhas opiniões *não são* neutras. Eu sou um filho bastardo do jornalismo com a internet. Então sempre vou defender a internet. Tanto quanto vou tentar defender o jornalismo em que eu acredito. Se você é radicalmente contra a internet - acha que ela é a "o mal" -, pode parar de ler por aqui.

Agora justifico minha defesa da internet: eu não existiria sem a internet. Meu jornalismo não existiria sem a internet. E o Digestivo Cultural, por óbvio, não existiria sem a internet.

Será que nós ajudamos a "matar" os cadernos culturais, por sermos "internet"? Eu acho que não. Eu acho que levamos a cultura mais longe. A mais pessoas. Revelamos "gente nova". Fortalecemos nomes já consagrados. Não consigo ver nenhum mal nisso...

Claro que não conseguimos resolver os "problemas estruturais" do jornalismo (brasileiro). Mas não acredito que esse seja o nosso papel (resolver). Já que está na moda se meter nessa discussão: o Uber não vem para resolver "o problema" dos taxistas. Também não vem para, intencionalmente, criar mais problemas para eles. Acontece que ninguém detém a marcha do progresso. Se tem alguém que paga - ou: se a conta fecha -, o negócio vai pra frente. Se não tem, ou se tem cada vez menos, esse negócio vai ter problemas. O jornalismo, também, sobreviveu desse jeito. Porque fazia sentido para muita gente. Enquanto fizer sentido...

Vale uma crítica aos jornalistas: deixem de ser egocêntricos. Parem de pensar só em vocês. É óbvio que a crise atinge vocês, pessoalmente. Mas não acho que alguém que opta por ler uma notícia "de graça" na internet o faz, deliberadamente, para prejudicar algum jornalista.

Quando eu topo com um "paywall" que não me deixa ler, e que me obriga a me cadastrar (ou, pior, a pagar), não acho que isso está resolvendo "o problema" do jornalismo. Acho que, pelo contrário, está gerando antipatia. Se me disserem que "se não pagar, jornalistas vão ficar sem emprego", não acho que isso vá me comover. O leitor - o consumidor de notícias - precisa de outro tipo de sedução para abrir a carteira. Não é instalando catracas, e pedágios, que as empresas de mídia vão sobreviver.

Outra coisa: vocês, jornalistas, foram avisados de que o fim estava próximo. Estamos nesta discussão desde 2006, pelo menos. (Quando saiu aquele livro prevendo o fim dos jornais impressos em 2043. Hoje eu acho que o autor foi otimista.) A maioria dos jornalistas, do Brasil, fingiu que não ouviu. Quis tapar o sol com a peneira. Agora não se façam de vítimas...

Por que eu já achava que não ia haver futuro (desde 2006, ou antes)? Porque as pessoas - o público - não paga(m) mais por notícias. Está no DNA da internet, ou da Web, ou do copy&paste do PC. Mas não é "culpa" da tecnologia. Quem colocou as notícias - de graça -, no começo da Web, foram as empresas de mídia! E os jornalistas...

Todo mundo apostou que a publicidade on-line pagaria a conta. O Digestivo, inclusive. Só que ninguém contava que as pessoas - e as empresas - fossem anunciar diretamente no Google. Ou no Facebook. Além de ser mais barato, é mais eficiente. No mundo da tecnologia, quem domina são as empresas de tecnologia. E, não, as outras...

OK, não deu certo com a publicidade, podemos voltar atrás e começar a cobrar dos leitores (dos internautas)? Não dá mais. Se eu trombo num paywall agora, sabe o que eu faço? Eu tento em outro navegador. Se não dá, eu tento em outra máquina. Eu procuro no Google. Eu procuro em algum blog. A verdade é que, em 99% dos casos, eu encontro. (OK, eu entro com login e senha no site da Folha. Mas porque eu tenho e-mail do UOL. E porque eu *pago* pelo UOL. Mas, pelo UOL - e, não, pela Folha. No mundo da tecnologia... quem domina mesmo?)

Estou errado? Sou corrupto? Não acho que sou. Talvez não esteja certo... Mas ontem mesmo: a professora Eliana Cardoso compartilhou um link do Valor Econômico. Eu não consegui acessar o texto (o paywall do Valor é quase intransponível). Tentei blogs. Tentei Google. Isso aconteceu pela manhã... À tarde, quando eu já havia esquecido, o texto ressurgiu, copiado & colado na "postagem" de um eminente pensador brasileiro. Um comentarista político dos que eu mais admiro. Colaborador de jornais, inclusive. Ele está errado? Ele é corrupto? Não! Só faz o que todo mundo sempre fez. (Os paywalls não têm a simpatia de ninguém...)

O que eu acho que as empresas de mídia deveriam fazer: deveriam desenvolver seu DNA em tecnologia. Como? Refundando a empresa? Talvez... Ou *fundando* uma empresa nova! Como o UOL. Como a Folha fez... Hoje o UOL vale mais do que a Folha. Mas não existiria sem ela! O Estadão não fez o que a Folha fez. (Não existe o UOL do Estadão.) Olha o resultado... Mas a Globo não fez - como a Folha -, e o Globo não está demitindo mesmo assim? Eu não conheço o caso específico deles. Mas sei que a TV Globo sustentou as Organizações Globo por muito tempo. Antes de se pensar em internet, o Grupo Globo investiu na tecnologia que existia na época: a TV. Eles vão sobreviver na internet, por causa da TV? Não sei. São outros tempos...

E os profissionais, e os jornalistas - o que devem fazer? Devem se reinventar. Ou mudar de profissão. Mas tomando a tecnologia como base. Se não houver sustentação tecnológica por trás, nada vai sobreviver. O conteúdo vem depois. Aceite enquanto é tempo. Sem tecnologia por trás, o melhor conteúdo morre inédito. Vemos isso, aqui, todos os dias. Quem não sabe distribuir conteúdo, não aparece - não existe.

Se você odeia tecnologia, se você passa o dia inteiro falando mal dela, não vejo muito futuro para você. Não no jornalismo. Na era da televisão, os jornalistas se reinventaram. Muitos foram para a TV. Muitos se consagraram nela. Quem demonizou a TV não sobreviveu? Sobreviveu, também, mas perdeu espaço. Ganhou menos. Perdeu valor de mercado. É fato. Não tem a ver com gostar ou não de TV. Mesma coisa com internet.

O conteúdo de qualidade vai sobreviver? Vai. Justamente porque não é mais "monopólio" dos jornalistas. E os jornalistas vão ter de lidar com isso. Acontece em muitas outras profissões também. O pessoal do Porta dos Fundos é menos talentoso do que o pessoal da TV Pirata? Não acho que seja (menos). Talvez dure menos. (Não há uma "Globo" por trás...) Mas talvez ganhem mais dinheiro. Talvez realizem outros empreendimentos. Essa história toda é muito recente para a gente saber com certeza...

Falei das empresas, falei dos profissionais, falei do conteúdo. E os veículos, o que vai acontecer com eles? "Você viu o que aconteceu com o Prosa & Verso?" Eu vi, mas eu não acho que o Rascunho, do Rogério Pereira, seja menos importante, para a literatura brasileira, do que o Prosa & Verso. "Ah, mas o Rascunho não é internet, é papel!". Mas o Rogério pensa como um empreendedor de internet. O Rascunho nasceu dentro de um jornal, como o Prosa & Verso nasceu. Só que encontrou sua sobrevivência fora dele, como empresa independente. E o Rascunho fez 15 anos... É um exemplo!

E o leitor desamparado, como vai sobreviver? Vai ter de se virar sozinho. Correr atrás. Organizar suas leituras, suas buscas por conteúdo. É confuso, é desorganizado, é atordoante. Eu sei, eu passo por isso todos os dias. Mas não tem outro jeito. É o preço que se paga por todo mundo poder publicar livremente. Você preferia antes, quando meia dúzia publicava e o resto só podia ler e, no máximo, enviar "cartas à redação"? Se preferia, talvez não estivéssemos aqui, neste momento.

Como eu faço no Digestivo? O fim dos jornais foi decretado em 2006 e, não por mera coincidência, eu fui mexer com e-commerce em 2007. Igualmente foi um ciclo que se esgotou, para mim, em 2014 (o e-commerce). Só que estou desenvolvendo projetos *a partir do Digestivo*. Como os Blogs. Como o marketplace do Digestivo Cultural (o Portal dos Livreiros). Se eu ficasse preso ao modelo de publicidade, já teria "morrido" faz tempo.

O fato é que ninguém paga, diretamente, pelo conteúdo que eu produzo, quase todos os dias. Mas, indiretamente, meus projetos me pagam, sim. Eu não vou deixar de produzir porque não tem alguém me pagando, regiamente, por isso. Eu já "nasci" e "cresci" neste mundo. Se tiver alguma coisa a dizer, eu vou dizer. Até pelo *prazer* de dizer. Acho que isso vale muito. Vocês não acham?

Para ir além
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Julio Daio Borges
São Paulo, 3/9/2015

 

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