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Terça-feira, 15/9/2015
Desbloqueie seu cartão, aumente seu pênis
Luís Fernando Amâncio

Houve um tempo em que, quando meu telefone tocava, eu tinha esperanças de que pudesse ser um conhecido querendo falar comigo. Hoje, a campainha soa e tenho logo uma certeza: escutarei uma voz estranha, com sotaque diferente (ao menos há esta surpresa) querendo me vender algo.

Já tentaram me vender muita coisa. Dos tradicionais planos de internet banda larga e cartões de crédito, a itens mais inusitados, como jazigos em cemitérios. Sério. É só perguntarem "o senhor Luís Fernando se encontra?", que eu vou preparando meu arsenal de desculpas: "não tenho renda fixa", "estou mudando de galáxia", "este é o número de uma sociedade alternativa, vivemos de luz e de amor" ou "este senhor faleceu" - o que funciona particularmente bem para refutar a oferta de jazigo.

Atualmente, tem me impressionado a profusão de cartões de crédito liberados para mim. Garantem que a oferta é plena de vantagens, com anuidade com preço reduzido, aguardando apenas o meu desbloqueio. Toda semana a central de atendimento de um banco diferente me liga. É uma homenagem tocante das instituições financeiras, fico feliz pelo reconhecimento. Agradeço a gentileza e argumento que, por questão de princípios, prefiro guardar meu dinheiro debaixo do colchão. Deve ser "semeando vantagens" por call centers que os bancos mantêm lucros bilionários "apesar da crise".

Também recebo mensagens interessantes por celular. Tenho uma sorte assustadora nas promoções em que não me inscrevo! É sempre um prêmio para mim. Pena que eles pedem um depósito para liberar o que ganhei, ou que eu ligue para um número de celular estranho. Mega Sena que é bom, não acerto uma dezena sequer, mas tudo bem.

É abrindo o e-mail, porém, que encontro as ofertas mais ofensivas - e não me refiro às promoções para assinar a Veja. Falo, vocês devem imaginar, dele mesmo, do falo. Ou melhor, de toda a tecnologia, de toda a magia relacionada às três palavras que, provavelmente, são um dos grandes mecenas da internet: "aumente seu pênis".

Deleto esses e-mails sem os abrir. Imagino que sejam os verdadeiros "presentes de grego", cavalos infestados por vírus infernais, à espreita do internauta descuidado e inseguro sobre a própria anatomia. Um clique e é formatação certa.

Pensemos, porém, na lógica básica da economia: se há oferta, é porque existe demanda. Entrar nesses links de "aumente seu pênis" parece insanidade - por causa de vírus, pela falta de evidências científicas/ médicas dos métodos e pela besteira do conceito em si - mas, se recebemos esses e-mails, é porque tem gente que clica. E, a julgar pelo fluxo na minha caixa de spam, não devem ser poucos. Ou seja, tem muito varão preocupado com a fita métrica.

Sei que as pessoas têm problemas. Todos têm: temperaturas de 33 graus em pleno inverno, escassez de chuvas, segurança pública, incertezas diversas sobre o futuro, agrotóxicos e transgênicos, a arbitragem no Brasileirão, dificuldades em assumir compromissos, o drama dos refugiados tentando uma melhor sorte na Europa... A lista pode ser imensa. E tenho certeza: a solução para nada disso é um pênis maior.

Não sou vidente. De fato, o máximo de futuro que consigo projetar é minha próxima refeição. Entretanto, vou criar um método de análise através do que nos é oferecido por e-mail, telefone ou mensagens de celular. Vou chamar de "spamlogia". Até o momento, minha sentença é: enquanto continuarmos alucinados por dinheiro fácil (a ponto de acreditarmos em promoções fantasmas e em cartões de créditos sem limites), pensando que problema grave é ter pênis pequeno, seguiremos falhando miseravelmente enquanto sociedade.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 15/9/2015

 

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