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Terça-feira, 22/9/2015
Marcelo Mirisola: entrevista
Jardel Dias Cavalcanti


Apresentação:

Marcelo Mirisola é um dos mais criativos escritores literários brasileiros da atualidade. Suas obras têm uma acidez e uma violência únicas (talvez só possa ser comparado a "Pornopopéia", de Reinaldo Moraes). Sem pudor, desfaz qualquer lugar comum que possa nos dar a sensação de terra firme. Tira nosso tapete fazendo-nos conviver com personagens mergulhados numa existência dura, carente, erótica, crítica, atrapalhada e que destilam, sem o mínimo pudor, o mais amargo veneno contra nossas ilusões baratas. Sua escrita funciona como uma "navalha de presidiário", corte certeiro e inesperado.

É autor do genial "Azul do filho morto", como de "Hosana na sarjeta", "Bangalô", "O herói devolvido", "Joana a contragosto", "Memórias da sauna filandesa", dentre outras obras excepcionais. Tem sido publicado pela Editora 34 há alguns anos.

Na entrevista abaixo, exclusiva para o digestivocultural, um pouco do corte da navalha do escritor.

1- Você é um escritor profícuo, com uma produção, talvez, inigualável na literatura contemporânea. Como tem sido a avaliação crítica de sua obra?

MARCELO MIRISOLA: aquém, muito aquém do que minha obra, que nada tem a ver com minhas entrevistas, merece.

2- A sua obra tem algo de memorialista, mas como você diz em "Bangalô", suas memórias não são guiadas pelas madeleines proustianas, mas por algo mais "baixo", o "Almoço com as Estrelas e suas respectivas maioneses". Você quer transformar a lama em ouro (literatura), ou quer transformar o ouro (a literatura) em lama ao escrever?

MARCELO MIRISOLA: Nem uma coisa, nem outra. Se Proust tivesse nascido na segunda metade do século XX escreveria sobre mandiopans, televisão e programas de auditório. Cada época tem a alquimia e os alquimistas que merece. Lama e ouro, portanto, não são questões materiais, mas resoluções de tempo/espaço.

3- O crítico Alcir Pécora o coloca na posição de um escritor crítico do modus vivendi da classe média emergente e sua pseudo-sofisticação entupida de sushi. Não seria essa uma leitura limitada diante do fato de que sua literatura é também uma "forma" de escrever? Ou você só quer mesmo é descer o pau nessa palhaçada toda?

MARCELO MIRISOLA: Não era essa a opinião dele quando resenhou o "Herói Devolvido" para um jornal de Campinas no começo dos anos zero-zero. Na ocasião não economizou elogios e falou em algo parecido com oxigênio, novo ar para a literatura brasileira respirar ou qualquer metáfora do tipo que, confesso, me deixou bem constrangido. Lembro também que ele tentou esboçar um perfil psicológico para meu narrador, e não satisfeito tentou aproximá-lo de Hilda Hilst, mas não conseguiu - o que me constrangeu ainda mais.

Na falta de lastro, repare, o crítico necessariamente parte para cotejar a obra do autor desconhecido com a obra do autor consolidado. Acho um recurso primário, tosco, mas isso não vem ao caso.

Hoje, reduzindo minha obra a esses termos que você mencionou acima, ele mesmo se desautoriza. Ou seja, com a mesma precariedade que exalta, esculhamba. Portanto, além de ser um crítico limitado, é volúvel. Duas falhas capitais para alguém que pretende ser "juiz de matéria perene", digamos assim.


4- Você escreve contos, romances e crônicas (como as publicadas em "O Cristo Empalado"). Algum destes gêneros o define melhor como escritor ou como o lugar ideal para você exercer sua paixão pela literatura? Qual a diferença ao escrever nestes três ambientes?

MARCELO MIRISOLA: Eu jamais escreveria crônicas por paixão. Nada mais nada menos do que necessidade. Ganhar o pão de cada dia. Com relação aos contos e romances, bem, aí é falta de habilidade para fazer qualquer outra coisa na vida, às vezes chego a pensar que isso que você chama de "paixão" é uma falha de caráter.

5- O termo "estilete de presidiário", que eu aproprio de Aldir Blanc (que, aliás, te chamou de "Montaigne do século XXI"), seria ideal para definir sua impiedosa literatura?

MARCELO MIRISOLA: Se o Aldir falou, tá falado.

6- Em uma de suas crônicas pode-se sentir seu pessimismo em relação ao Brasil: "propor soluções é dizer - é tarde demais. Não deu certo antes e agora - lamento dizer - é tarde demais." Que país é esse em que você vive?

MARCELO MIRISOLA: Eu não queria ser tão pessimista, juro que não. Mas o Brasil que eu vejo nos meus livros, não me convence.

7- "Cintilo mais brilhantemente em momentos de vingança. Não a afasto, mas melhoro-a." Esta frase de Gracián é a epígrafe de seu livro "O homem da quitinete de marfim". Você é um crítico de certa literatura "oficializada e premiada" no Brasil. Existe um grupo de escritores que te convence? Quais seriam? E há os de quem você se vinga, classificando-os como "marquetajem tosca", quais seriam e por que?

MARCELO MIRISOLA: Contando aqui nos dedos, conheço três autores que conciliam ótima literatura e vergonha na cara - são raros e evidentemente não vou citá-los porque eles estão muito acima dos elogios e prescindem disso. Depois tem a grande maioria de mortos, e uma meia dúzia de autores vivos que eu gosto pela literatura e não faço questão alguma de saber se são anjos ou demônios. Já os que eu não gosto, depreende-se que não me convencem porque são lixo e produzem lixo, simples assim.


8- Você está prestes a lançar um novo romance pela Editora 34. Pode nos adiantar algum comentário sobre ele?

MARCELO MIRISOLA: "A Vida não Tem Cura". Uma novela, deve sair no primeiro semestre de 2016. Uma porrada.

9- Quem tem medo de Marcelo Mirisola?

MARCELO MIRISOLA: Quem eu não faço a mínima questão de conhecer, quem não me conhece.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 22/9/2015

 

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