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Quinta-feira, 21/2/2002
Mulheres à beira de um ataque de nervos
Adriana Baggio

Segunda-feira em João Pessoa. Pouca coisa para fazer, nenhuma vontade de ficar em casa. As opções no cinema também não estavam ajudando. Um estalone, um shuazeneguer e outras tranqueiras. Dentre estas, o "Avassaladoras". A curiosidade, somada à falta de opção (até parece o roteiro do filme...), me levou à sala 3 no Multiplex do Mag Shopping para encarar a película com Giovanna Antonelli e Reynaldo Gianecchini. Fui com uma amiga, para a gente, pelo menos, poder comentar sobre as besteiras que íamos assistir. Quanto a isso, não resta dúvidas. A maioria dos filmes sobre mulheres não conseguem fugir dos estereótipos.

Com "Avassaladoras" não é diferente. O filme tem uma abertura graficamente bonita, com uma música cantada por Paulo Ricardo (perfeitamente adequado...). Parecia mais o primeiro capítulo de alguma novela da Globo. As primeiras cenas servem para que a gente identifique o gênero do filme: ah!, é uma comédia. Uma Giovanna Antonelli fazendo o estilo bonita-desastrada aparece em sua workstation moderníssima em uma agência de design gráfico, em frente ao seu Mac. O galã cafa, de cafajeste e cafona, como escreveu o pessoal do Estadão, Reynaldo Gianecchini, está chamando para uma reunião. Laura (a personagem vivida por Giovanna) e sua outra amiga atrapalhada saem destrambelhadas pelos corredores, tropeçando e enroscando na porta da sala de reuniões. Fiquei me perguntando: precisava isso? O filme todo é cheio dessas atuações ridículas, constrangedoras, uma mistura de Didi (dos Trapalhões, é claro) com Meg Ryan.

Bem, o filme conta a história de Laura, uma mulher produto dos tempos modernos: bonita, independente, bem-sucedida profissionalmente, mas ainda sozinha aos 34 anos. Suas amigas, idem. A única que tem namorado talvez seja a que está em pior situação, porque o cara é um tipo brutamontes folgado. Outra é a típica executiva viciada em trabalho, e a última, uma perua no melhor estilo boutique-academia-clínica estética. Para não fugir ao sinal dos tempos, a perua trabalha junto com Laura, mas faz questão de esclarecer que não nasceu pra isso. Já a avó de Laura, coitada, parece ser uma daquelas folhinhas de antigamente, cheia de ditados tais como: cada tampa tem sua panela, o homem certo sempre aparece, o que for para ser será, tudo tem seu tempo. Um personagem desperdiçado, com certeza.

Continuando, Laura Antonelli começa a entrar em desespero por estar tanto tempo sozinha, sem namorado e sem sexo, e acaba procurando uma agência de casamentos. A dona da agência solta pérolas de dicas para conquistar os homens, tais como "nunca passe mais de cinco minutos ao telefone com ele, para que ele pense que você sempre tem algo mais interessante para fazer". Laura acaba conhecendo Miguel, vivido por Caco Ciocler, um árabe do tipo "diamante bruto", primo da dona da agência. Apesar de se darem bem, eles não têm muito a ver um com outro. Miguel é simples, autêntico. Laura é sofisticada, um pouco metida à besta. É aí que a gente começa a pensar que a diretora vai fazer com que as diferenças sejam superadas e passar a moral de que o amor supera até um abismo no vocabulário. Mesmo com as diferenças, os dois acabam iniciando um relacionamento e a vida de Laura muda depois de uma noite de amor com Miguel. É como aqueles comerciais de Vinólia, onde as mulheres estão todas de roupas sóbrias, exceto a que usa o sabonete. Assim é a nova Laura, mais leve, mais feliz, mais colorida. Mesmo não tendo certeza de querer levar adiante sua relação com Miguel, ela vai curtindo. Nesse meio tempo, o galã cafa de Giane descobre essa nova Laura, e eles transam. Resumindo: um dia, em uma festa em sua casa, Laura tem ao seu lado o galinha do Giane, e o tosco do Miguel. E percebe que não quer nenhum deles.

Toda essa apresentação é para dizer que, apesar de tudo, achei alguns aspectos do filme surpreendentes. Mesmo com todos os estereótipos, as frases feitas, a encenação patética, alguns pontos ficaram, senão realistas e verossímeis, pelo menos não tão óbvios. Laura, no fim das contas, não fica nem com Miguel, nem com Giane. Confesso que fiquei surpresa pela história não ter resvalado para um final previsível, tipo "vale a pena tentar superar as diferenças para viver um grande amor" ou "a moça íntegra que redime o galinha, instantaneamente transformado em um animal monogâmico". Na verdade, as experiências vividas com os dois homens serviram para ela desencanar, relaxar. Ajudou muito a orientação do escritor cujo livro fala sobre a solidão feminina. O escritor é gay, e é o único na história que entende a alma das mulheres. Da boca do personagem saem algumas idéias curiosas, tipo: com a independência financeira, as mulheres não precisariam mais procurar homens tão bem-sucedidos quanto elas; poderiam se dar ao luxo de aumentar o campo de escolha, para poder encontrar alguém de quem realmente gostassem, mesmo que tivessem que sustentar essa pessoa. A avó de Laura, em um dos raros diálogos sem clichês, fala algo parecido: por que as mulheres têm mania de olhar só pra cima, e procurar homens que sejam sempre melhores do que elas? Por que não olhar ao lado, ou para baixo?

De clichês em clichês, trapalhadas em trapalhadas, o filme segue até um final interessante, já que não previsível. Laura, na verdade, continua sozinha, mas agora está bem, feliz consigo mesma. Aprendeu a não ficar ansiosa por estar só; aprendeu que pode ser feliz mesmo sem estar com alguém; aprendeu que depende muito dela encontrar ou não um companheiro. Sua amiga perua casou com Miguel, o tosco. Na festa, a executiva leva cantadas de Giane, o safado, mais cafa do que nunca (ponto para o roteiro!). E a única que tinha namorado acaba ficando grávida dele (que tragédia...). Na verdade, pensando bem, as que ficaram solteiras ainda estão em melhor situação do que as que terminaram com alguém. Ah! Laura está em Nova York. As amigas mostram fotos dela durante a festa de casamento. Ficou um negócio meio estranho, abrupto. Parece que o contrato de Giovanna Antonelli acabou antes das filmagens, e eles tiveram que dar um jeito no final.

Mulheres: se vocês resolverem encarar "Avassaladoras", levem as amigas. Assistam o filme, dêem risada se conseguirem, e depois do cinema saiam para o boteco mais próximo. Mesmo sem um final muito previsível, a fita continua sendo daquelas que encaixa a mulher em estereótipos falsos, pré-moldados, preconceituosos. A melhor coisa é tomar umas e dar risada da própria vida, que pelo menos é autêntica. E nem perca tempo chamando seu namorado. Já está tão difícil arranjar um, pra que botar tudo a perder forçando a barra para um programa que ele vai odiar? Vá sozinha, divirta-se e ganhe bônus para gastar em oportunidades que valham mais a pena!

Adriana Baggio
Curitiba, 21/2/2002

 

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