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Terça-feira, 1/3/2016
Um Oscar para Stallone
Luís Fernando Amâncio

Em 1992, eu tinha uma missão e Sylvester Gardenzio Stallone estava comigo. Eu contava cinco anos de existência e, basicamente, os consumira exclusivamente para brincar e ver TV. Era feliz assim. Até que a farra acabou e, naquele ano, meu desafio foi sobreviver à escola. A partir de então, eu teria que lidar com um ambiente hostil, manejando instrumentos de alta complexidade, como lápis de cor, tesoura sem ponta, cola... Não era o Vietnã, mas também era complicado.

Para o recreio, porém, eu tinha uma parceira: minha lancheira do Rambo que ostentava com orgulho. Afinal, além do herói estampado, ela me confortava com bolo e achocolatado. Um garoto não precisa de muito mais do que aquilo.

Passaram-se um bocado de anos e agora, em 2016, Sly Stallone está vivendo um momento especial em sua carreira. No próximo domingo, dia 28 de março, ele cruzará o tapete vermelho do Oscar para concorrer ao prêmio de melhor ator coadjuvante por Creed, sequência da série Rocky*. A atuação já lhe rendeu o Globo de Ouro neste ano na mesma categoria.

Aparentemente, a indicação pode não parecer algo tão glorioso. Inclusive porque Sylvester Stallone já ganhou a estatueta de melhor filme, em 1977, por Rocky, filme que o catapultou para o estrelato. Mas concorrer numa categoria de melhor atuação é um feito para um ator reconhecidamente limitado nos dotes cênicos – vencedor, aliás, de seis prêmios Framboesa de Ouro de “pior atuação”, sendo um como “pior ator da década de 1980”.

Porém, por mais que os deuses da atuação possam torcer o nariz, não tenho dúvidas de que haverá uma grande torcida pela vitória do Sly. Para minha geração, Stallone é quase um tio querido, alguém que nos acompanhou em nosso crescimento. Quando o aluguel de fitas de vídeo se popularizava no país, alugávamos as séries Rambo, Rocky ou víamos o personagem Cobra afugentar um criminoso dizendo “você é a doença e eu sou a cura”. Isso sem falar em Falcão, campeão dos campeões na queda de braço e na Sessão da Tarde.

Eram tempos diferentes. John Rambo, o ex-combatente que é uma máquina de matar, estrelou uma série de animação, que no Brasil foi exibida no Xou da Xuxa. A Rainha dos Baixinhos até cantou uma música para o personagem em seu segundo disco. Meus pais, que sempre foram muito zelosos com minha educação, não viram mal em me dar a metralhadora do Rambo, um dos meus brinquedos prediletos. Eles também não censuravam que eu visse, em plena tarde, o herói lançar flechas explosivas na Ásia e destruir praticamente um exército inteiro. Hoje, há mais cuidados nesse sentido, evitando exposição de crianças a produtos culturais violentos. Concordo. Mas, bem ou mal, sobrevivi àquela infância.

Creed não é um filme ruim. Ele cumpre aquilo que o público espera dele – ação, superação e triunfo. Soa, a bem da verdade, como um repeteco de Rocky, uma variação do mesmo tema. Mas duvido que alguém tenha ido ao cinema esperando algo diferente da produção.

Porém, para quem cresceu vendo Stallone no centro da ação, é diferente encontrá-lo quase septuagenário, como coadjuvante. Diferente da trilogia Os Mercenários, em Creed Sly vive um personagem que enfrenta a velhice, não a nega. Talvez por isso o destaque em sua atuação e a nomeação ao Oscar.

Para nós, espectadores oriundos dos anos 1980, fica a reflexão: o tempo passar até para os heróis que resolviam tudo do alto de seus músculos. Mas, convenhamos, a reflexão não é inédita. Pelo contrário, ela é a nossa realidade diária. Também não estamos rejuvenescendo. Bons os tempos em que uma lancheira do Rambo, com achocolatado e bolo, era o suficiente para nos encorajar nos desafios.

* Atualizado em 29/02/2016 - Não foi dessa vez que o Stallone teve uma atuação consagrada pela Academia. O vencedor na categoria "Melhor Ator Coadjuvante" do Óscar 2016 foi Mark Rylance (Ponte dos espiões). Ainda assim, a indicação já foi um feito, bem como a vitória no Globo de Ouro.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 1/3/2016

 

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