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Quinta-feira, 23/6/2016
Notas sobre a Escola de Dança de São Paulo - I
Elisa Andrade Buzzo

Sou uma intrusa na escola de dança. O que faço aqui com meus cabelos brancos e cansaço entre pernas tão lisas e espíritos frescos?

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No elevador, encontro o maestro John Neschling, que solícito pergunta quem vai descer. As escadas parecem mais úteis diante dos elevadores demorados e abarrotados de alunos. Mas nem mesmo os atléticos bailarinos parecem ligar para as escadas. Nos quarto e quinto andares do prédio da Praça das Artes está a escola de dança, enquanto os primeiro e segundo andares são ocupados pela escola de música.

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Deusas de collant preto e meia-calça rosa clara. Cabelos longuíssimos e lisérrimos. Pernas compridas e esguias. Elas ocupam toda a extensão do espelho na bancada das pias. Ai de quem quiser lavar as mãos naquele território sagrado. Alfinetam a coroa de cabelos colhida no alto na cabeça com inúmeros grampos.

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O teto esbranquiçado e o linóleo cinza-rato. As características janelas desconexas da Praça das Artes. As salas ainda vazias. Em todas elas há um piano de armário, afinado ou não. No início do curso ainda fazemos nossa humilde aula sem pianista. O ar-condicionado não funcionava no calorão de março.

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Da janela mais alta da sala 1, a torre do Altino Arantes parece uma velinha branca acesa no grande bolo decorado cor-de-rosa-pálido do Martinelli.

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Ao ir embora, passando pela porta de entrada no vão livre da praça, penso, sou mais uma aqui, seja lá como for.

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Meninas bailarinas de passos lassos pela praça. Logo se distingue uma meia-calça rosa, um coque alto. Vieram do Paissandu ou da São João. E claro que não portam tutu.

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Mais um dia. O segurança esbraveja “Você não vai atrapalhar o meu trabalho!”. Três vezes. O povo dentro do elevador fica só olhando. Vou embora. Não sei o motivo, mas ultimamente eles andam pianinho, pianinho. E das coisas ruins logo me esqueço. Entro toda serelepe pelo gradeado recém colocado na praça, já segurando a carteirinha.

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A presença da pianista escorrega para dentro da sala. Portando seu jogo de partituras bem manuseadas, sua bolsa e garrafinha de água. Somos umas entidades piores que adultos, somos crianças com corpo de velhos. Recebemos umas broncas da professora por nosso desempenho sofrível. Que pensam de nossa figura as pianistas?

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Iniciante II. Mas já temos um je ne sais quoi de intermediário I.

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Admiramos a professora mostrando uma sequência de diagonal. Que lindo o collant rendado, o saiote, a meia-calça preta. Mas mais lindas são as linhas de bailarina num crescendo de pernas, braços, mãos e cabeça finamente encadeados. Queremos ser como a professora quando crescermos. O problema é que já crescemos.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 23/6/2016

 

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