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Quinta-feira, 4/8/2016
Notas sobre a Escola de Dança de São Paulo - II
Elisa Andrade Buzzo

Na vida nunca usei grampos. Agora, precisando de um, pego no chão das salas, dos vestiários ou na bancada da pia. Tenho na nuca uma mecha estragada por uma cabeleireira. Isso é um problema. Mesmo assim minha inabilidade em grampos continua. Pequenos e pretos. Esquecidos. Perdidos. Para consertar erros. Levá-los à boca antes de prender a parte desejada segura pelas duas mãos. A verdade é que não sei as manhas dos grampos. E me sinto intimidada em perguntar sobre seus caminhos misteriosos a umas das bailarinas enquanto montam seu penteado no espelho.

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Há dias em que todas parecem te observar no vestiário. O que querem? O que perscrutam em um rabo de cavalo? Talvez não entendam o que eu esteja ali fazendo. E ainda: O que eu desejo?

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Inauguração de um piano elétrico na sala 1. Algumas pianistas se reúnem para testar o instrumento. Clima de festa que se apaga com o início de nossa aula. No dia a dia é raro termos pianista. Geralmente apenas uma aula por semana. Nossa pianista habitual me mostra o braço inchado. Era o piano de armário da nossa sala. Estava uma calamidade. Plein plein. Foi então substituído pelo elétrico. As time goes by. Gente humilde.

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Que inteligência devemos treinar para o corpo obedecer ao comando de alguns simples passos coreografados? Se há uma capacidade física mínima, ao menos, unir pernas, braços, mãos, tronco e cabeça numa dança, sugerindo leveza, parece ser algo além do humano. Bailarinos são os verdadeiros super-heróis.

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Teto de bolinhas. Parede listrada. Fazem mal para o bailarino olhar? Pois aqui já temos mais uma desculpa... para execuções pífias. Que bem faz olhar para a janela comprida da sala 1. O Anhangabaú e a mata ciliar de prédios em sua margem oposta.

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Gritos de um professor marcando o tempo numa sala. O andar treme com os saltos sincopados. Estou sozinha no quinto andar me alongando na sala 5. Por enquanto a sala é uma folha em branco aberta às possibilidades. Aqui somente poder rabiscar, não escrever. Tentativas vãs de riscar com os pés o linóleo em equações exatas. Uma troca incorreta leva tudo a perder. Bem ou mal, não ficam marcas. Outros pés vão se desenhar. Adormeço com esse metrônomo humano e impiedoso.

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Há sim uma evolução; sutil, mas há. Atentemo-nos a ela e seus desígnios ocultos.

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Descobri um nervo bem grande em meu corpo. Desde então a vida me pareceu menos interessante.

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Somos sobreviventes esforçados de um sonho impossível. Somos apenas esforçados na impossibilidade de um sonho que sobrevive.Descobri um nervo bem grande em meu corpo. Desde então a vida me pareceu menos interessante.

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Espondilólise bilateral em L5, com consequente anterolistese grau I de L5 sobre S1. Impressão diagnóstica: Espondilodiscopatia degenerativa em L5-S1. Impressão psicológica: Essa é minha tuberculose. Pneumotórax?

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 4/8/2016

 

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