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Terça-feira, 27/9/2016
Alice in Chains, por David De Sola
Luís Fernando Amâncio

Há 25 anos, um lançamento modesto da Geffen Records se tornaria um fenômeno de popularidade e marcaria um notável capítulo da história do rock: Nevermind, do Nirvana. O álbum, que conseguiu o feito de desbancar Michael Jackson – uma das últimas vitórias do rock sobre a música pop – é o emblema de um movimento da indústria fonográfica de valorização do rock underground, ou alternativo.

O Nevermind também chamou a atenção do mundo para a cena musical de Seattle, que ficaria rotulada como grunge. Bandas como Mudhoney, Screaming Trees, Melvins, Soundgarden e o recém fundado Pearl Jam obtiveram contratos com grandes gravadoras e entraram na programação da MTV, o que na época era muito relevante.

O Alice in Chains foi um desses grupos catapultados pelo sucesso de “Smells Like Teen Spirit”. Há, porém, de se fazer uma ressalva: um ano antes da banda de Kurt Cobain ganhar notoriedade, o AIC já havia lançado Facelift pela Columbia Records e “Man in the Box” já havia se tornado um hit. Entretanto, a banda foi a menos badalada dentro do Big Four de Seattle - Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains - e o livro Alice in Chains: a história não revelada, de David De Sola, publicado no Brasil pela Ideal Edições, ajuda a explicar os motivos.



Talvez a principal virtude que o leitor deve exigir de um autor de livro não ficcional é sua honestidade. E sobre isso, não há queixas a se fazer sobre David De Sola. O jornalista teve o cuidado de demarcar as fontes utilizadas em muitas de suas afirmações, procedimento que parece ser óbvio, mas nem sempre é adotado por autores de biografias. De Sola também anuncia suas escolhas de fugir dos estereótipos das biografias “autorizadas” – segundo ele, com “conotação de uma jogada de relações públicas oficiais” – e “não autorizadas” – “como se seu conteúdo fosse lixo sujo e fofoqueiro”. Seu o livro foi escrito sem a cooperação dos músicos da banda e de seu staff.

Também é interessante a postura do autor de deixar claro que, embora se trate de uma biografia da banda, Layne Stayle, o vocalista, é seu personagem principal. É uma escolha: contar a trajetória do grupo a partir de um recorte, que é a vida de seu primeiro frontman. E, nesse sentido, deve-se reconhecer que De Sola é bem sucedido ao narrar como Layne (vocalista), Jerry Cantrell (guitarrista e principal compositor), Mike Starr (baixista) e Sean Kinney (baterista) se reuniram no Music Bank, extinto estabelecimento com diversas salas para bandas ensaiarem, e formaram o “Alice N Chains”, que por um breve período foi chamado “Diamond Lie” e, enfim, se tornou o Alice in Chains.

Embora sem acesso direto aos membros da banda, o autor entrevistou amigos, familiares e profissionais que trabalharam com o grupo, além de consultar periódicos e outras publicações. Assim, o livro traz informações sobre os bastidores da banda que, após Facelift, lançaria um EP acústico (SAP, de 1992); o aclamado Dirt (1992), com alguns dos maiores clássicos do Alice – “Rooster”, “Down in a Hole”, “Them Bones”, “Angry Chair”; Jair of Flies, outro EP mais acústico, mas que teve boa repercussão com os singles “I Stay Away” e “No Excuses”; e, por fim, o Alice in Chains (1995), de produção mais complicada devido ao estado avançado de vício em heroína de Layne Stayle e com sonoridade mais densa – seus singles “Again” e “Grind” são um exemplo disso. Os trabalhos lançados a partir de 1993 já contavam com Mike Inez no baixo, substituindo o demitido Mike Starr – demissão que o livro não consegue explicar de forma contundente.



Os últimos dois álbuns da banda, Black Gives Way to Blue (2009) e The Devil Put Dinossaurs Here (2013), com William DuVall nos vocais, são tratados de forma discreta. Embora não ignore o renascimento da banda, De Sola opta por tratar a fase, que já dura 10 anos, como menos significativa. A grande maioria dos fãs concorda com ele, mas, em minha opinião, o novo Alice in Chains mereceria maior atenção, inclusive por ter gerado dois ótimos álbuns – com músicas fortes como “Check My Brain”, “Black Gives Way to Blue”, “Hollow” e “Stone”, por exemplo – e turnês bem sucedidas.



A biografia abre com uma citação de Jerry Cantrell, que diz que as músicas da banda são “uma maneira de expressar coisas sobre as quais não falaríamos – coisas que são muito pesadas e obscuras. São sentimentos que todo mundo experimenta. É por isso que as pessoas se identificam”. De fato, a sonoridade densa, muitas vezes corroborada pelas letras, é a principal característica do Alice in Chains. Esse peso está presente biografia da banda. Embora o vício em drogas, sobretudo em heroína, tenha sido um problema comum nas principais bandas grunge, o AIC foi, de longe, a mais prejudicada: o vício ceifou as vidas de Layne Stayle (em 2002) e de Mike Starr (em 2011), além da ex-noiva de Layne, Demri Parrot, e de John Baker Saunders, baixista do Mad Season. Jerry Cantrell, sóbrio atualmente, também enfrentou viveu uma batalha contra a heroína, embora o livro apenas mencione o fato.

Talvez fosse mais correto que Cantrell tivesse um maior protagonismo na biografia. Afinal, ele é o principal agente criativo do Alice in Chains. Ainda assim, é compreensível a escolha de De Sola por enfatizar a vida de Layne. O talentoso e carismático vocalista tem muitos fãs e seu fim de vida, definhando de forma reclusa, cerca sua figura de uma devoção mórbida.

Alice in Chains: a história não revelada é um ótimo lançamento para os fãs, é claro, mas também para aqueles que queiram conhecer melhor essa banda que poderia ser muito maior se não fosse seus problemas internos. O livro de David De Sola é o resultado de uma pesquisa apurada e sua publicação pela Ideal Edições é um grande acerto para um nicho editorial – biografias ligadas à música – que ainda pode ser melhor explorado no Brasil.


Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 27/9/2016

 

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