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Sexta-feira, 4/11/2016
Que tal fingir-se de céu?
Ana Elisa Ribeiro

Exceto por um ou outro aí que não se satisfazem com isso ou que têm uma performance mais blasé, todo autor quer ter leitores. E mais: leitor fiel, leitor cascudo, desses que compram livros, fazem coleção e não emprestam. Ou emprestam sob ameaça. Melhor: leitor que compra dois livros, sendo um para si e outro para emprestar. Leitor-consumidor, esse tipo raro, quase extinto, conforme dizem uns; ainda por nascer no Brasil, segundo outros.

Acho que sou dessa ala que olha o copo de água sempre meio vazio. É que há muito por fazer. E a culpa não é (só) do leitor. A culpa é da cadeia toda e da história editorial e educacional do país. Ou não, como diriam certos filósofos. Como aliciar leitores? Como iniciar contato com eles? Onde estão? Onde vivem? Como se reproduzem? Pauta para o Globo Repórter, cumpade.

Meu exemplo não serve para muita coisa, mas vai que alguém se identifica com minha trajetória de formação como leitora? Se não tinha livro em casa, eu pegava emprestado. Não sei de onde vem essa mania. Meus pais não eram de ler, mas também não eram de negar leitura a ninguém. Fui formando lá minha bibliotequinha básica e a tenho até hoje. Se tinha biblioteca na escola, eu aproveitava o gancho. Se o professor mandava ler, eu lia - lia às vezes sem gosto, mas lia. É que eu achava que precisava ler até pra falar mal. Tinha certa ética nisso: não falar do que não sei. Se tinha lista de livros do vestibular - isso foi meio extinto pelo Enem -, eu prestava atenção e anotava uns nomes, uns títulos. Não havia ainda Google, mas eu pesquisava. Quem são esses? Devem ser bambambãs para estarem nessa lista, não? E pegava emprestado e lia.

Quando dava vontade de ter um livro, dessas vontades corrosivas, necessárias mesmo, eu parava de lanchar. Estudava em escola pública municipal e meus pais davam uns trocados pro lanche, todo dia. Eu parava de gastar as moedas, juntava, juntava, até dar rock. Quando fazia certo montante, eu ia até uma livraria no centro da cidade e adquiria. Às vezes era em sebo, outras, em saldão. Felicidade de estudante. Felicidade clandestina? E agora, Clarice?

Fui conhecer vídeo com poesia depois de grande. Não tinha tanta parafernália naquela época. Como eu quis um videocassete! Mas meu pai era contra. Demorou a ter um. E quando teve, eu mexia, mexia, assistia e descobria coisas. Com um videocassete e uma câmera de mão, montei vídeos, pensei em roteiros, tudo sem um pingo de ideia do que estava fazendo. E até hoje é assim: um pingo de ideia.

Até hoje não sei muito da experimentação. É cada coisa linda demais da conta! Cada coisa encantadora. Dia desses, recebi o convite para os Poemas de brinquedo , do Álvaro Garcia & cols. Olha, mas que trem! (é como dizemos aqui nas Minas). É claro que não chego a esse nível de sofisticação e nem a qualquer outro - clique, brinque, escolha! Mas que vontade de ver poesia voar em vídeo!

Que vontade de gravar vozes. Que vontade de descolar do livro, só um pouquinho, e ou/ver poesia. Ou ver-ouvindo. Quem sabe se pode cativar um leitor via YouTube? Quem sabe? Poesia por um triz, em um clique. Será o que estava faltando? Três pílulas para vocês.

Espia, vai? Este "Fronteiras", da mineira Adriane Garcia, feito em trio.


Ou este "Nem mais um minuto", tão contemplativo:


Ou mais este, "O balé", sobre... a leitura. Ah, a leitura. Finja-se de céu, se puder.



Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 4/11/2016

 

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