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Terça-feira, 8/11/2016
Malcolm, jornalismo em quadrinhos
Luís Fernando Amâncio

Uma entrevista televisiva costuma ser, esteticamente, enfadonha. Talvez seja culpa da abordagem dos canais de TV, que abusam do formato “de frente com”, alternando as imagens do entrevistador com as do entrevistado. E quando há público, ele fica limitado a reagir às revelações da conversa. Um jogo previsível, no qual o interesse do espectador fica condicionado a sua simpatia pelo entrevistador – e cada vez se aposta mais no carisma de jovens comediantes para conduzir entrevistas – ou, principalmente, pelo entrevistado.

Transcrita em texto, em jornais e revistas, uma entrevista não fica muito mais atraente. Novamente, o que nos impele à leitura é o nosso interesse pelo assunto em si.

Mas como funcionaria uma entrevista em quadrinhos? É o que podemos conferir em Malcolm, lançado em 2014 para Edições Ideal. Luciano Thomé, que assina a HQ com Fábio Massari, informa na apresentação da obra que a proposta não é pioneira. Robert Crumb, grande referência dos quadrinhos underground norteamericanos, já fez entrevistas em quadrinhos antes. Porém, não é algo que se vê com frequência por aí.

Malcolm é a adaptação para a nona arte de uma entrevista feita por Fábio Massari com Malcolm McLaren, em 1995, nos estúdios da saudosa MTV Brasil. McLaren foi o empresário e idealizador do Sex Pistols, uma figura crucial para dar grandes proporções ao movimento punk. Ele, que morreu em 2010, teve grande importância na cultura pop. Através de suas lojas de roupas e do Sex Pistols, a indústria musical foi questionada de dentro dela. A conversa entre os dois estava programada inicialmente para 15 minutos, mas se estendeu até quase uma hora.

O conteúdo da conversa que originou a HQ é muito rico. Na conversa com Massari, as opiniões de McLaren sobre o mercado fonográfico e a produção cultural afloram em fluxo contínuo. Destaca-se a capacidade do entrevistador em deixar o entrevistado bastante à vontade.

Pouco da entrevista foi aproveitado pela MTV Brasil. O material, após ser editado em pequenas reportagens, foi lançado ao limbo dos arquivos. Fábio Massari, que tinha uma cópia em VHS e a transcrição da conversa, cultivou o projeto de adaptar a conversa em outra mídia por quase 20 anos. A HQ se tornaria realidade com os traços de Luciano Thomé, cujo perfil se ajustou perfeitamente ao projeto. Luciano tem formação em História e desenvolveu em seu mestrado, defendido na Escola de Comunicação e Artes da USP, um estudo sobre as relações entre as histórias em quadrinho e o conhecimento histórico.

Portanto, não espere a monotonia estética das entrevistas de TV em Malcolm. Guiada pela fala do empresário inglês, a narrativa visual é intensa e diversa, nos remetendo a técnicas cinematográficas de montagem, como em um criativo documentário. Mas não nos deixemos enganar. As referências ao cinema se dão justamente pelo nosso parco conhecimento de quadrinhos, muitas vezes restrito às produções mais tradicionais. As HQs, mais antigas do que o cinema, tem potencial muito mais amplo do que narrar histórias de heróis ou infantis. É cada vez maior o número de autores independentes produzindo trabalhos de qualidade que comprovam isso.

Malcolm cumpre, sim, um papel de difusor de conhecimento histórico – especificamente, sobre a história do rock e da cultura pop. Em suas páginas, o leitor experimenta o pensamento alucinante – ou seria alucinógeno? – de uma figura que, ainda que odiado por muitos, tinha bastante a dizer sobre o universo musical.

Saiba mais sobre a HQ aqui.


Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 8/11/2016

 

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