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Segunda-feira, 3/4/2017
O espírito de 1967
Celso A. Uequed Pitol

Quem entra no estádio Celtic Park, em Glasgow, na Escócia, para assistir a um jogo do Celtic depara-se com uma longa faixa estendida na arquibancada inferior. “The Spirit of 67”.

Mesmo quem não conheça a história do clube pode intuir que se trata de um ano especial, onde uma vitória ou um título marcaram um grande momento. E terá razão. Trata-se do ano de 1967 – o ano em que o clube de Glasgow sagrou-se campeão europeu daquele ano numa final eletrizante em cima da poderosíssima Internazionale de Milão Foi a maior glória da história do Celtic. Uma glória que hoje, 25 de maio de 2017, completa cinquenta anos.

Como qualquer fã de futebol sabe, o Celtic é, hoje, pouco mais do que um participante ocasional da Liga dos Campeões: chama a atenção pela sua torcida apaixonada e simpática (nesses dois quesitos, a melhor do Reino Unido) e pelas particularidades do seu duríssimo clássico com os rivais do Glasgow Rangers, que envolve religião (o Celtic foi fundado por católicos, e o Rangers, por protestantes) e política (os torcedores do Celtic tendem a apoiar o lado católico do conflito na Irlanda do Norte, e os do Rangers, o lado britânico e protestante). No jogo propriamente dito, faz aquilo que se espera de uma equipe escocesa.

Em 1967, contudo, as coisas eram bem diferentes. No 4-2-4 comandado pelo treinador Jock Stein, os dois laterais, Jim Craig e Tommy Gemmell, avançavam todo o tempo e não havia um volante de contenção preso à defesa: Bobby Murdoch era o responsável pela armação das jogadas a partir do meio enquanto Bertie Auld comandava a movimentação em direção ao ataque. Nas pontas, Bobby Lennox e Jimmy Johnstone (este último, o craque do time) não paravam um segundo: trocavam de posição, iam da defesa para o ataque e do ataque para a defesa, acompanhavam as investidas dos laterais e guardavam posição quando estes avançavam. O Celtic jogava o tempo inteiro no campo do adversário, marcava sob pressão e mobilizava todo o time quando perdia a bola.

Jogadores do Celtic comemoram após o apito final Foi essa equipe que entrou em campo na tarde do dia 25 de maio, em Lisboa, para disputar a final da Copa dos Campeões da Europa (antecessora da atual Liga dos Campeões) com a Internazionale. E não qualquer esquadra da equipe milanesa: era a Inter comandada por Heleno Herrera, já bicampeã do torneio e contando jogadores do nível de Mazzola, Fachetti e muitas outras lendas do futebol italiano. O Celtic, por outro lado, era formado por completos desconhecidos: todos os seus jogadores haviam nascido nos arredores de Glasgow, a menos de 50km da sede do clube. Uma simples vitoria, nestas condições, já seria um feito digno de virar história. O Celtic, desnecessário dizer, era o pequeno da disputa, e os pequenos, às vezes, vencem. Mas vencem em situações específicas: com um gol circunstancial, com uma jogada de contra-ataque, com uma golpe de sorte.

A questão é que Celtic não apenas venceu a Internazionale da forma que os pequenos vencem os grandes. Venceu-a após levar 1 a 0 nos primeiros minutos de jogo, empatar no segundo tempo e virar faltando cinco minutos para o fim de uma partida onde só os escoceses atacaram, somando mais de trinta chutes ao gol italiano e duas bolas na trave. Em outras palavras, venceu-a como um grande, dando àquela geração de jogadores o título de “Lisbon Lions” – ou Leões de Lisboa, em referência ao local da hoje cinquentenária final.

O impulso da grande vitória de 1967 duraria um bom tempo. Em 1968, o Celtic alcançaria as semifinais do torneio; em 1969, seria o vice-campeão europeu, perdendo para os holandeses do Feyenoord. Depois daqueles três ou quatro anos de sucesso, o clube voltou, aos poucos, à condição anterior de clube regional sem condições de disputar algo maior, praticante de um futebol estereotipadamente escocês com alguns lampejos, aqui ou ali, de qualidade técnica e de relevância internacional. Nunca mais conseguiriam repetir façanha semelhante.

Restou a inspiração do passado. E é a partir dessa inspiração que os apaixonados torcedores do Celtic buscam reviver os tempos de glória.

Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 3/4/2017

 

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