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Quinta-feira, 10/8/2017
Da varanda, este mundo
Elisa Andrade Buzzo

A faixa de terra se desenha no horizonte ao longe. Nem tão longe assim, talvez. Na tarde seca de julho uma gata interiorana se enrodilha. Duas irmãs conversam na varanda que enxerga esse pedaço de lugar no espaço muito claro. A mais velha está deitada numa rede, senhora da casa ancorada no alto da extensão de uma antiga fazenda. A mais nova, numa cadeira de madeira, se rende à paisagem.

Daqui dá para ver o pico do Jaraguá. Onde? Ali, no meio, depois daquela antena. Em frente àquela coisa branca? O delicado verde-claro de um monte se delineia esvoaçante como uma miragem. Eu nunca fui no pico do Jaraguá, sempre quis ir. A gente sempre passava na frente voltando pra casa. Mas o pai nunca levou a gente lá.

Podemos ver tão longe. Mais longe ainda, como numa última dimensão possível um sombreado azulado de serra. Tem um shopping aqui perto chamado Serra Azul, né? Suspenso em cima da estrada. Parece impossível chegar lá. Então, e lá no fundo, aquele monte de montanha? Não sei direito, acho que é a serra do Japi. Ah, eu sempre quis saber o nome, não era possível ser a Cantareira... Um pedaço de mata Atlântica tão perto daqui.

Dá pra ver a Anhanguera também. Um pedaço de reta prateada, entremeado por casas e vegetação, era constantemente cortado por carrinhos de brinquedo, metalizados pelo sol incidindo. Um som difuso de estrada errante também cortava a gente incessantemente. Tá vendo aquele outro pedaço à direita? É a entrada daqui da cidade. Ah! Onde dá para ver o pinheiro fininho? Podemos marcar de eu ir até lá e te dar um tchauzinho. Será que se eu gritar algo você ouve aí? Não sei... acho que não. Mas é tudo meio silêncio; pode ser que sim.

O diálogo à la Os belos dias de Aranjuez também é entremeado por nervuras de silêncio e negrumes de pensamentos. Quanta indústria tem aqui perto agora, dá até para ler o nome de algumas delas: OPTIMA. Antes isso tudo era só campo. Eu preferia antigamente quando não tinha nada. Indústria do que tudo isso, você sabe? Eletrônicos... tem a Unilever, às vezes dá para sentir cheiro de Omo aqui em cima. E aquele bolo de prédios brancos, bem no meio? Não sei, deve ser Louveira. Louveira não tem tanto prédio assim, e altos; acho que é Jundiaí.

Ficamos nessa brincadeira de adivinhação pelo tempo do descanso preguiçoso no alto da varanda. Como você sabe disso tudo? E ela contou tudo isto como se fora uma bandeirante que desbravara com uma tropa de índios entendidos os caminhos do interior paulista. Seria eu a escriba retardatária de alguns séculos de história, resumida em uma croniqueta vespertina.

E nos deslocamos por essas vastidões de terras, que passaram pelas mãos de índios, capitanias reais, por estas antigas fazendas, esses condomínios tardios, de onde se roda e se tem uma noção imaginária, mas real, de um país imenso e até hoje a se desbravar.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 10/8/2017

 

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