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Quarta-feira, 6/3/2002
A Nova Hora, A Hora da Estrela!
Rennata Airoldi

Antes de começar a me pronunciar a respeito da montagem do texto: “A Hora da Estrela”, é preciso fazer alguns adendos. Primeiro devo dizer que o Teatro e a classe artística agradecem a iniciativa de uma grande produtora chamada Cintia Abravanel. A superintendente do Teatro Imprensa, podendo ser uma simples administradora, optou pelo caminho mais difícil o de produzir Arte neste País.

Há dez anos iniciou sua jornada, produzindo grandes espetáculos e chegando hoje a concretizar um grande sonho: criar um Centro Cultural. Fornecer Arte à sociedade. Transformar um "privilégio" (de poucos) acessível a muitos. Para isso, a ousada atitude de selecionar grandes textos brasileiros, grandes adaptadores, atores, equipe técnica, enfim, uma estrutura ideal. A questão não é só produzir um texto educativo e fazer do palco uma sala de aula. Foi necessário ir mais fundo, ainda bem! O desafio é produzir uma obra-de-arte de altíssima qualidade que, ao mesmo tempo, comunica, ensina, emociona. Unir o útil ao agradável.

“A Hora da Estrela”, texto da genial autora Clarice Lispector, foi adaptado e dirigido de maneira primorosa por Naum Alves de Souza. Sem dúvida, um grande desafio para qualquer diretor transformar a poesia e o lirismo de Clarice em palavras e ações cênicas. Devo dizer que Naum conseguiu isso não só na adaptação (que é bem próxima do original e, ao mesmo tempo, de linguagem simples), mas também por causa de sua direção sutil e minuciosa. Ações milimétricas, detalhes que chegam a passar quase desapercebidos como a própria personagem central, Macabéa. Moça que de tão insignificante, é carregada de grandes lições e significados. Como a metáfora da lagarta que se transforma em uma bela borboleta.

Poesia em cena! Até o mundo aparentemente indiferente e monótono desta retirante nordestina nos toca, nos comove e nos remete a todas as moças que, como Macabéa, têm um único objetivo de vida: viver. Inspirar e expirar, até que o movimento cesse. Dentro de toda a sua ignorância, cabe todo o lirismo e todas as questões que tiram o sono de qualquer intelectual letrado: quem sou, para onde vou, o que sou... Pode parecer ingênuo e até ridículo, se dito por “Maca”, mas Clarice já sabia que essas questões podiam despertar algo muito além do imediatismo-nosso-de-cada-dia.

Voltando à peça em questão, nos deparamos com um elenco afinadíssimo e muito talentoso. Todos, “sem tirar nem pôr”, têm grandes momentos em cena. Temos Célia Borges (Macabéa), Alexandra Corrêa (Dna. Leonor), Ana Andreatta (Delfina), Ester Lavacava (Glória), Fábio Espósito (Sr. Raimundo), Jonathan Faria (Olímpico) e Edgar Jordão(Basílio). O que devo ressaltar é que, com exceção da atriz que interpreta a protagonista, os atores dobram personagens sem qualquer tipo de estranhamento por parte do público - algo que reafirma a grandiosidade dos profissionais que realizam o espetáculo e principalmente da direção.

Devo ressaltar agora o que há de mais avassalador na peça. Sem dúvida, o ator Fábio Espósito, que é o grande “show man” deste espetáculo. (Show man no melhor sentido!) Ele é capaz de transitar entre um personagem e outro, entre uma emoção a outra, nos convencendo de uma maneira surpreendente! Da comédia ao drama, num piscar de olhos e sem deixar vestígios! Indubitavelmente um grande trabalho, uma grande aula de interpretação. Para quem circula pelos teatros de São Paulo, com certeza deve tê-lo visto em cena. Eu mesma já conheço seu trabalho há algum tempo mas o que ele faz neste espetáculo é de “tirar o chapéu!” Ele têm um grande personagem em suas mãos, não há dúvida. Mas, de nada adiantaria se não fosse um brilhante ator.

De qualquer forma, é só o começo de uma longa jornada, uma vez que se pretende manter esse espetáculo em cartaz por pelo menos dois anos. Assim, não há desculpa para não ver! Mas não deixe para amanhã o que você pode fazer, afinal, nunca saberemos o que nos acontecerá. Como diz Macabéa: “Futuro é Luxo!”

Para encerrar e fechar as cortinas, devo dizer que as boas idéias têm e devem ser copiadas. Quem dera surgissem dez mil “Cintias” com a mesma intenção e intensidade. Pessoas que, como ela, dessem espaço a tantos atores (desconhecidos do grande público) demostrarem seu talento e, acima de tudo, ganharem a vida dignamente, com a profissão que escolheram. Terem o privilégio de, a cada sessão, poderem transformar e serem transformados. Precisamos de pessoas que lutem por ideais e que ajudem a construir um mundo melhor, uma sociedade mais culta e esclarecida, levando o teatro a quem não pode pagar por ele.

Tudo isso não tem preço, é tão somente um grande ato de coragem! Portanto, a todos que fazem parte desta iniciativa, boa sorte... e muita “merda” (como dizem os artistas). Que tudo isso seja apenas um pequeno passo de um longo caminho a ser percorrido. Aos leitores: prestigiem e fiquem vocês também “Grávidos de Macabéa”!

Rennata Airoldi
São Paulo, 6/3/2002

 

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