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Terça-feira, 25/9/2018
O tigre de papel que ruge
Celso A. Uequed Pitol

Ao terminar a leitura de "A política externa norte-americana e seus teóricos", de Perry Anderson, lembrei-me imediatamente de uma frase pichada em vermelho nas paredes do velho Viaduto Otávio Rocha, em Porto Alegre, que se destaca em meio aos outros rabiscos ali presentes. A frase pichada é “O imperialismo é um tigre de papel”. A lembrança veio porque, logo em seguida, imaginei o que Perry Anderson diria diante dela. Algo me diz que, como bom britânico, daria um sorriso irônico.

“A política externa norte-americana e seus teóricos” é uma coleção de artigos originalmente publicados na revista New Left Review. Divide-se em duas partes, “Império” e “Conselho”. Na primeira delas, Anderson nos oferece um panorama da evolução do poder imperial norte-americano, partindo de suas fundações geográficas, econômicas e - na expressão que ele utiliza - subjetivas. Nessa última categoria, destacam-se duas ideias fundamentais: a ideia de privilégio divino e a república democrática.

Bem postas essas fundações, Anderson passa a fazer uma análise da estratégia americana de expansão imperial. Seu foco é a elite dirigente americana, seus principais atores, pensadores e estrategistas. E o tom pode decepcionar a muitos: raros são os momentos em que ele cede ao impulso de apontar o dedo e denunciar os “crimes do imperialismo”.

A seguir, Anderson passa às leituras dos pensadores que vêm embasando as mais recentes ações do governo norte-americano, em particular as dos dos últimos 15 anos. Essa parte tem momentos brilhantes. Anderson empresta o seu olhar de excelente leitor às obras de diversos autores. Muitos deles são seus exatos antípodas ideológicos - e merece, nesse sentido, menção a análise da obra de Robert Kagan, teórico neoconservador, do qual o marxista Anderson não pode estar mais distante. Por fim, no apêndice, dedica-se a uma leitura aprofundada de Francis Fukuyama, autor de “O Fim da História”, um dos livros-símbolo do período entre o fim da URSS e o 11 de setembro.

A análise de Anderson centra-se na ação de uma elite de intelectuais, analistas e políticos que comanda e orienta a política externa americana. Uma elite que partilha uma fortíssima noção de excepcionalidade dos EUA, resiste como aço a todo tipo de crítica interna e, não raro, age contra os interesses econômicos americanos mais imediatos. Esses pontos estão presentes em todos os atores analisados por Anderson nessa obra, isto é, estrategistas, acadêmicos, líderes políticos e assim por diante, sejam eles “de esquerda” ou “de direita”.

Talvez seja esta a mensagem central de "A política externa americana e seus teóricos": a de que o imperialismo é forte, firme, poderoso e assentado em bases muito sólidas e resistentes. E que não dá qualquer sinal de enfraquecimento: ao contrário, é crente em si mesmo e na justeza de tudo o que faz.

O tigre não é de papel: é bem real e ruge. E, se provocado, pode morder.

Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 25/9/2018

 

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