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Sexta-feira, 1/2/2019
estar onde eu não estou
Luís Fernando Amâncio

Os leitores podem até “julgar o livro pela capa”. Mas a verdade é que, muitas vezes, o escritor não tem uma participação tão ativa na produção da identidade visual de sua obra. Se muito, dá um ok para o projeto que lhe é enviado. Ou seja, analisar o livro pela capa pode ser injustificado.

Já com o título da obra a história é diferente. Aí sim, quase sem erro, temos o dedo do autor.E estar onde eu não estou (Belo Horizonte: Crivo Editorial, 2018) é um título muito pertinente para a estreia de Olivia Gutierrez na poesia. Pois a ideia de estranhamento, de incômodo com a ocupação de um determinado lugar, seja geográfico, de gênero ou mesmo religioso, é uma presença constante na obra. Um sentimento de deslocamento que impulsiona ao tal lugar onde não se está, com quem não se está.

(...)
Depois que eu passo
quanto tempo leva pra me esquecer?

Eu sou alguém que passa
e é muito rápido
tudo é muito rápido
é urgente, não está vendo?
Não é óbvio?
Tudo é tão óbvio
Agora eu paro

Eu sou alguém que para
(“eu sou alguém que passa”, p. 34/35, trecho)

Olivia declara que a origem do livro se deu com uma mudança de apartamento. Ela colaborou com o processo empacotando seus livros, mas sua mãe contratou uma empresa de mudança que fez todo o transporte e a montagem dos móveis.

Agora é janeiro de 2018
e tem 17 caixas no meu quarto
primeiro pensei em levar tudo comigo
mas me falaram que já que não sei como tudo vai ser
melhor deixar algumas coisas para trás
eu nunca tinha pensado que era possível
deixar algumas coisas para trás
não levar tudo comigo
escolher o que levar comigo
(deixar para trás não é a mesma coisa que apagar)

(“montagem ou F for Fake”, 5, p. 15)

Precisamos agradecer a mãe da Olivia por contratar essa empresa. Por experiência própria, duvido que seria possível escrever qualquer coisa enquanto se sobe com uma geladeira por uma escada estreita, por exemplo. Porém, ao se deparar com seus objetos no novo espaço – as 17 caixas no quarto, a outra que, debaixo da escrivaninha, a atrapalha a estudar – Olivia narra seu processo de busca.
Mas não é uma busca que renderia um filme com Liam Neeson. Porque é fácil perseguir os criminosos que sequestraram sua filha quando se é protagonista de um filme de ação. Difícil é entender a relação do pai da Olivia Gutierrez com o número 18. Ou sentir o ambiente denso do dia da morte de sua avó.

(…)
Me colocaram para dar a notícia para minha tia por
telefone. Não consegui. Eu não fiz nada naquele dia.
Eu não queria estar lá porque eu não gosto de des-
pedidas, mas quando falei que ia pegar um ônibus
para ir pra casa, todo mundo falou que não, que era
pra ficar, que não era bom eu estar sozinha.

(…)
(“biografia”, “Morte”, p. 31, trecho)

Embora interaja com literatura há alguns anos, através do blog Biblioconto e moderando o clube de leitura Leia Mulheres BH, estar onde eu não estou é o resultado de sua introdução na escrita literária. São 18 poemas nos quais Olivia, conforme a menção às autoras Joan Didion e Rosa Montero, se inventa na escrita, narrando a si mesma. Poesia para ressignificar seu mundo, onde gatos sonham no telhado, o sertanejo de caminhoneiros ecoa pela Rua Guarani e se corre risco de morrer por proximidade.

estar onde eu não estou foi publicado em dezembro de 2018 pela Crivo Editorial, no projeto Poesia InCrível. O livro foi realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte e, portanto, não pode ser comercializado. Os interessados em adquirir um exemplar devem entrar em contato com a editora, através do e-mail [email protected] e solicitar os dados bancários para fazer o depósito relativo ao frete do livro.


Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 1/2/2019

 

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