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Quinta-feira, 27/6/2019
Meninos, eu vi o Bolsonaro aterrando
Elisa Andrade Buzzo

Eu vi um grande avião cruzando os céus da cidade universitária, eu vi, como a canção, que todo amor que é grande ainda pouco é, mesmo nada é. Eu vi, meninos, sem saber, eu “vi a escuridão, eu vi o que não quis” e ainda assim eu quero um dia ser feliz. E se alguém, nas noite nas tabas, duvida do que eu conto, do meu furo jornalístico, que se lembre do prudente velho Timbira do poeta Gonçalves Dias.

O avião, aterrando, me chamou a atenção pelas faixas verde e amarela, cores tão inusuais por cá, e por portar um símbolo conhecido para um brasileiro nato. Aquilo foi um pássaro, um avião? Não; foi um tipo de aparição fantasmagórica a desenhar um voo imprudente, uma parada técnica misteriosa em Lisboa, no imprevisto de um militar brasileiro ter sido preso em Sevilha com 39 quilos de cocaína. Eu encontrava, afinal, de surpresa, a uma velocidade de 380 km/h, nos ares, o atual presidente da minha República (o que é bem diferente de meu presidente da República).

Mas afinal minha vida cruzou com a de Bolsonaro, ou foi a de Bolsonaro que cruzou com a minha? Foram poucos segundos nos quais nos entreolhamos pela janelinha do Aerolula; cada qual com suas preocupações distintas em relação ao destino do país. Foi só pensar muito nos últimos dias no Brasil, em amor, que o avião do Lula aparece por cima da minha cabeça. Prova de que quando a gente pensa demais numa coisa, ela acontece, mas como o erro de uma possibilidade que enfim se frustra, de forma bem diferente da imaginada.

Meio aérea, ainda sem saber que aquele avião carregava uma comitiva oficial do meu país, aquela em sérias trapalhadas, este em tristes convulsões, eu passei um recado meio etéreo. À maneira, talvez, daquele recado de primavera de Rubem Braga a Vinicius de Moraes, da possível continuidade de amáveis ondas, tico-ticos e moças em flor: a vida continua - mas vigiemo-la.

E que este recado de verão, de que o tempo vai passar, e estaremos ativos e atentos, tenha qualquer coisa daquele brasão da república - que distante logo reconheci - ainda verde e amarelo verdadeiros, e afugente o embuste e a violência, coisas que sobrevoaram em sombras furtivamente pelos céus de Lisboa.

Elisa Andrade Buzzo
Lisboa, 27/6/2019

 

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